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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Toy Story III

Toy Story III – 1


Toy Story III, independente de ser um ótimo filme de animação, é uma grande história, porque aborda com sensibilidade e humor grandes temas humanos: lealdade, morte, o fim da infância, a chegada à idade adulta e a saída da casa dos pais, onde desfazer-se dos brinquedos é o rito de passagem.

Uma outra leitura: além dos brinquedos, também os pais são tomados por sentimentos de obsolescência quando os filhos vão para a universidade e deixam a casa paterna, o que na cultura americana são coisas quase sempre simultâneas. Assim como os brinquedos, os pais sentem-se abandonados e desnecessários, pelo menos após pagarem as últimas mensalidades da universidade. Para nós, pais, é um momento de passagem. Nossa função inata de transmitir o código genético herdado e aperfeiçoado desde o início da vida sobre o planeta, e de cuidar dos filhos até que eles mesmos estejam em condições de passá-lo adiante, está cumprida. Do ponto de vista estritamente biológico, tornamo-nos tão descartáveis quanto brinquedos velhos. Somos então confrontados com questões menos atávicas e mais subjetivas: que valores temos como seres humanos? Que diferença fazemos para a sociedade como um todo? Somos ainda úteis ou não acrescentaremos mais nada permanecendo vivos no mundo?

Assim como para os brinquedos, estas questões podem nos ser perturbadoras se então nos avaliarmos como inúteis. Pode ser, porém, um momento de libertação. Desincumbidos de nossa missão biológica, poderemos fazer, enfim, o que bem entendermos de nossas vidas. Assim como quando éramos solteiros, só que com menos hormônios, mais rugas e, se tivermos tido sorte e sucesso, mais dinheiro e a mesma quantidade de cabelos. Ou então, se não tivermos nada mais criativo para fazermos, temos a saída de emergência de fingir que estamos começando tudo de novo e nos fazermos indispensáveis para nossos netos. Então, assim como os brinquedos do filme, vamos recomeçar tudo com uma nova geração de crianças. Penso que pode ser uma ótima opção se for realmente uma opção, e não a única e desesperada saída para escaparmos de nossa imagem no espelho.

Toy Story III – 2

No momento mais hilário de Toy Story III, Buzz Lightyear, depois de resgatado das forças do mal, é acidentalmente “reiniciado” em sua pré-programação latina. Surge uma versão galante do bravo astronauta, cavalheiresco e sedutor, a exibir-se para a cowgirl Jessie. Indo além (ou para o infinito e além) das óbvias intenções mercadológicas para o público latino, os americanos parecem estar se dando conta de que perderam alguma coisa importante quando empurraram os mexicanos para o sul do Rio Grande.

Antes mesmo de se tornarem independentes, eles já haviam empurrado os franceses para o norte do São Lourenço. Inúmeros filmes, depois da segunda guerra mundial, tentaram mostrar os europeus, e em especial os franceses, como esnobes arruinados tentando manter a pose diante de americanos endinheirados, simpáticos e modernos, porém sem pedigree, mal disfarçando o complexo de vira-latas. Algo como as emergentes da Barra diante das tradicionais e dilapidadas socialites do Rio de Janeiro.

Os mexicanos vão, por seu lado, silenciosamente retomando o território que vergonhosamente lhes foi amputado na Guerra Mexicano-Americana, e avançando além. A vigilância, as cercas e até os muros erguidos recentemente na fronteira com o México não têm impedido a entrada de hordas de vizinhos do sul (nem de drogas ilícitas). Cidades como Los Angeles, Las Vegas, Sacramento e San Francisco, que mantiveram seus nomes originais como que esperando serem reconquistadas, vão sendo mais e mais ocupadas por falantes do espanhol.

Depois de incorporarem judeus, italianos, irlandeses e muitos outros imigrantes, e de admiti-los como parte do cerne de sua sociedade e da sua cultura (os negros parecem compor uma outra nação dentro da nação), agora são os cucarachos que contribuem com suas cores e temperos para o grande caldo cultural norte-americano. Quando Richard Gere achou que a vida andava sem graça, foi para Jeniffer López que ele disse: “Baila Comigo”. Na gelada e fictícia South Park, Colorado, Cartman, Kyle, Stan e Kenny, discutem, durante a semana latina da escola, se devem pronunciar “djéniffer” ou “réniffer” López. Antonio Banderas faz o charmoso e heróico gato de botas em Schreck II. Salsa, mambo, temperos, quadris curvilíneos e malemolentes, devoção a santos e sexo destituído de culpa, todos vão inexoravelmente avançando de braços dados para latitudes mais altas, liderados por divisões de blindados armadillos*. Quem sabe, um dia, antas e capivaras atravessarão a ponte do Brooklyn e desfilarão em triunfo por uma Manhattan subjugada?



* O armadillo é nosso velho e conhecido tatu. Até recentemente, viviam exclusivamente nas Américas Central e do Sul. No século passado, iniciaram uma expansão de seu território em direção ao norte, e hoje já fazem parte da fauna de diversos estados norte-americanos. Não, eles ainda não estão esburacando os jardins da Casa Branca.

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