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terça-feira, 15 de abril de 2014

Pátria filha

Mais um amigo, como tantos outros fazem ou já fizeram, dá notícias interplanetárias daquele outro mundo, chamado de Primeiro: “Aqui não há bala perdida”, diz ele. “Aqui nem sabem o que é bala perdida. Aqui os primeiromundáqueos passeiam de madrugada pelas ruas desertas sem medo de serem assaltados. Aqui se deixa a chave na ignição enquanto se entra na farmácia para comprar alguma coisa. Aqui as estradas não têm buracos, as escolas públicas ensinam, a saúde pública atende e cura, os políticos são honestos e não têm mordomias, e os que se tornam políticos o fazem apenas pelo desejo de servir à sua comunidade e ao seu país de Primeiromundo. Aqui...”

Leio e ouço tudo com um misto de inveja e humilhação. Meio que como o pai de um vagabundo drogado assiste o filho do vizinho formar-se com louvor e conseguir um belo emprego. Suspiro. Acabei de assistir o noticiário das oito, o que não traz nenhum consolo. Pelo contrário, só serve para acentuar o desconforto. Mentalmente me esforço para esboçar uma reação. Afinal, nas grandes cidades de Primeiromundo há, sim, violência e não se pode dar sopa para ladrão na maior parte delas. Volta e meia por lá um louco entra com fuzil e metralhadora numa escola ou no antigo local de trabalho e mata dezenas sem mais nem menos (parece que nisso já começamos a copiar o Primeiromundo). Outros mantêm mulheres escravizadas e trancafiadas por décadas no porão de casa em vizinhanças abastadas e tranquilas. Não é nenhum paraíso, com certeza. Mas (ai!) sim, lá as pessoas respeitam mais as leis, assassinam menos, assaltam menos, corrompem menos e são menos corrompidas. E, quando o fazem, há muito mais chance de pagarem por seus crimes. Lá o cidadão vê os impostos retornarem em forma de estradas bem sinalizadas e pavimentadas, ruas limpas e seguras, e funcionalismo público funcionando para o público. A burocracia é mínima e qualquer um que queira produzir riqueza e dar empregos é incentivado a isso.

Não há como negar: na zona do Euro, no Canadá, na Austrália, no Japão, na Coréia do Sul e nos Estados Unidos (este com algumas ressalvas) a civilização avançou mais. Há menos improviso e mais previsibilidade. Sei dos que acham essa previsibilidade monótona, um túmulo da criatividade. Sei dos que louvam o jeitinho, a improvisação, o deixar para última hora, o compadrio, a cordialidade malsã que facilita as coisas para os amigos, mas só para os amigos; dos que se regozijam com a intimidade do guardador de carros que, debaixo da placa de proibido estacionar, nos chama de chefia, de amizade ou de mermão, pedindo “deixa solto, dezinho adiantado, que eu já saindo, fica sussa que o guarda tá na minha mão e não multa”. Essa relativização das regras, que nunca deixa de me horrorizar, encanta alguns poucos estrangeiros que, um dia, se descobrem brasileiros que foram entregues pela cegonha em endereço errado. Para mim, não passa de corrupção no varejo, praticada por aqueles mesmos que a execram e condenam nos poderosos. Serão os governantes corruptos que, pelo mau exemplo, autorizam a corrupção miúda ou somos um país de hábitos corrompidos que nascem do povo e alcançam o poder? Talvez as duas coisas? Realmente não sei.

Entendo quem desista do Brasil e parta para Primeiromundo em busca de uma vida melhor para si e seus descendentes. Que, por sua vez, vão nascer ou se naturalizar cidadãos de Primeiromundo e para quem do Brasil restará apenas um sobrenome Silva e nada mais. Me pego às vezes questionando se vale a pena insistir em continuar sendo brasileiro. Nem mesmo sei se meus netos nascerão aqui ou em terras mais gentis.


Mas sei, sim, que quem faz um país é seu povo. Não vejo a pátria como mãe, e sim como filha. Minha pátria cresce ou definha conforme meu trabalho, meu esforço, meu cumprimento ou atropelo das regras e da lei, com minha gentileza e meu cuidado para com ela e para com o povo que, comigo, nela habita. Como uma filha, minha pátria amadurece e desenvolve seu caráter com minhas críticas e minha indignação, com minhas cobranças e minha vigilância. Se ela não é gentil, talvez seja porque, até hoje, dela muito se espere e se tire, e a ela pouco ou nada se dê. O lugar onde o acaso me plantou para tentar fazer um mundo melhor calhou de ser aqui. Outras pátrias que não a minha podem ser mais resolvidas, menos rebeldes e mais gratas. Mas não são a minha Pátria Filha. Posso ser ingênuo, mas não desisto dela.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Os quatro filmes da minha vida

Na minha falta de modéstia, sempre me imaginei numa entrevista, sendo perguntado sobre quais os filmes de que mais gosto. Cansei de esperar, então vou falar mesmo sem ter sido perguntado:

1 – Dersu Uzala (1975), de Akira Kurosawa. Eu não tinha 20 anos e não tinha namorada. Estava em cartaz o filminho romântico “Lagoa Azul”, com a ninfeta Brooke Shields. Aos dezenove, éramos todos teens, então não era tecnicamente pedofilia amarmos intensamente Brooke como nós amávamos (éramos apaixonados também por Jodie Foster e, principalmente, por Natasia Kinski. Como a filha do Nosferatu Klaus Kinski podia ser tão diabolicamente linda, meudeusdocéu!). Alguém muito sábio me alertou que a Lagoa não era filme para ser visto sem namorada. Risco de depressão grave.
Natasia Kinski, gatíssima
Quando finalmente me vi namorando, a Lagoa já tinha saído de cartaz. Levei a menina para assistir Derzu. O Cinema 1, que depois virou o falecido Estação Icaraí, superlotado. Só nos restou sentarmos na primeira fila. O filme me agradou tanto que não lembro do que rolou entre mim e a garota durante a sessão. A amizade profunda entre o oficial russo e o caçador siberiano, com sua ética, solidariedade, compreensão e respeito pela natureza despertaram o desejo de descobrir em mim o espírito ancestral que sabe coexistir com tudo que é vivo. As imagens da floresta siberiana e da tundra, na neve do inverno e no calor do verão, as cenas de tensão, como a da súbita tempestade ártica que os surpreende enquanto atravessam um enorme lago gelado, os fantasmas e xamãs da floresta... Inesquecível.

2 – Amarcord (1973), de Federico Fellini. Onírico, doce, fantástico, Amarcord é uma colcha de retalhos de lembranças de Fellini, reais e imaginárias. A vida aparentemente sem graça em uma pequena aldeia italiana à beira-mar vai aos poucos se mostrando lírica em suas pequenas tragédias, nos personagens que vão aos poucos revelando uma humanidade sem qualquer heroísmo ou maldade. A cena do touro branco que surge em meio à névoa, sem uma palavra que atrapalhe a simples imersão no mundo dos sonhos, o cunhado louco que, depois de um tranquilo piquenique em família, sobe até o alto da grande árvore para gritar sem parar “Io voglio uma donna!” Depois de assistir-se Amarcord, sentimo-nos invadidos por amor e compaixão quase infinitos pelo ser humano comum.

3 – Fargo (1987), dos irmãos Coen. Já aqui, a humanidade surge em toda a sua pequenez. Canalhas medíocres, maldades baratas, covardias e desonestidades. Um sequestro desastrado, uma dupla de bandidos formada por um psicopata burro e um joão-ninguém arrogante, unidos pela incompetência. Um mandante covarde tentando aplicar um golpe no sogro avarento. Em meio a tanta sordidez, a policial Marge Gunnarson, grávida de sete meses, é uma ilha de virtude num mar de gelo e egoísmo. Com direito a tiros mal dados, perseguição de carro em meio a uma nevasca, cadáveres triturados numa picadeira de capim tingindo de sangue vivo a neve morta e gelada. Muita ação e humor negro.

4 – O Dia da Marmota, ou Feitiço do Tempo, Groundhog Day (1993) de Harold Ramis. Uma equipe de reportagem, destacada para cobrir o Dia da Marmota na pequena Punxsutawney, fica ilhada na cidade por conta de uma nevasca. Mais que ilhado na cidade, o cético e sarcástico repórter Phill Connors (Bill Murray), fica aprisionado em um dia que se repete exatamente igual a cada amanhecer. Ele só vai se libertar da repetição sem fim se aprender algo. A parábola perfeita do ciclo de nascimento e morte do samsara da filosofia budista. Não vale se suicidar, não vale trapacear, não vale fingir. A única saída é fazer de novo e de novo, até aprender.

Estes são os meus. Quais são os seu quatro favoritos?

(Clique nos links para assistir os trailers)