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domingo, 6 de janeiro de 2013

Olha o Passarinho!


Alma-de-gato.
Não sei quanto a vocês. Trabalhei com uma pessoa que detestava quando o vizinho, o jornaleiro ou o dono da padaria da esquina tentava se tornar um pouco mais íntimo, perguntando-lhe o nome ou puxando conversa. “Odeio intimidades com estranhos”, reclamava. De minha parte, acho ótimo saber o nome do jornaleiro, do ascensorista do consultório, falar sobre nosso Fluminense com o João da loja de ferragens ou sobre jipes e motos com o Fernando da padaria. Em São Francisco, o bairro onde moramos, ainda se preserva o hábito de dar bons dias àquelas pessoas com quem cruzamos na rua a caminho da compra do pão fresco da manhã ou no passeio com o cachorro. Conheço até grande parte dos cães do bairro: o sharpei mal humorado, a bulldog francesa barulhenta, a pitbull histérica, a boxer tímida, o golden retriever boa praça, Rex, o vira-lata rei do pedaço e muitos outros. Conhecer e ser conhecido me dá uma sensação reconfortante de ser alguém, e não mais um rosto anônimo. Isso é muito facilitado pelo fato de São Francisco ser (ainda) um bairro de muitas casas e poucos prédios, portanto com baixa densidade de habitantes e, pelo menos em suas ruas internas, pouco movimento nas ruas.

Da mesma forma, nunca me conformei em passar uma vida inteira por uma árvore sem saber de que espécie se trata, ou em escutar o canto de um passarinho sem saber reconhecer quem é o autor do gorjeio refinado ou do pio repetitivo. Admiro-me quando verifico que a maioria das pessoas não sabe bem a diferença entre um pardal e um tico-tico ou não distingue um sabiá de um bem-te-vi. Nem sabe diferenciar uma pata de vaca de um algodão da praia, árvores corriqueiras nas calçadas e praças da cidade.

Esta curiosidade natural se acentuou muito quando começamos a frequentar Rio Bonito de Cima, localidade serrana em Nova Friburgo. Lá, a variedade de pássaros é enorme. Comecei a fotografar as aves e flores do lugar de modo descompromissado, mas logo me vi compelido a expandir meus conhecimentos botânicos e ornitológicos. Comprei então os  ótimos livros Aves do Brasil, de Dalgas Frisch e os dois volumes de Árvores Brasileiras , de Harri Lorenzi, e passei a exercitar minha atenção em relação ao mundão de árvores e passarinhos do lugar. Apenas dentro do perímetro do sítio, que tem apenas um alqueire, já identifiquei e fotografei mais de setenta espécies diferentes de aves, mas existem muitas mais.

Quando acordo por lá, com as primeiras luzes da manhã, as aves estão tagarelando no volume máximo. Já da cama identifico os gritos da saracura, o canto dos sabiás, a gritaria das tiribas, o trinado da cambaxirra, um duelo de pichanchões. Calço os sapatos e saio munido de teleobjetiva, caminhando em silêncio com olhos e ouvidos atentos. Existem duas estratégias básicas: uma é ir atrás do canto mais interessante, outra é buscar um lugar com boa possibilidade de visitas aladas: um pé de marianeira ou goiabeira carregadas ou um arbusto florido e esperar para ver o que aparece. De qualquer forma, a espreita amplia os sentidos e afugenta todos os pensamentos que não sejam focar o presente. A atenção se volta para o mínimo ruído, para a menor folha que cai, para o mínimo movimento que ocorra em nosso campo de visão periférico, mesmo um discreto agitar da folhagem pelo vento. Os reflexos e instintos ancestrais voltam todos, vindos de partes do cérebro adormecidas pela civilização. Não em busca de uma refeição ou para não vir a ser transformado em refeição por alguma fera. Apenas em função de uma visão de um pássaro ainda não visto ou não fotografado. Depois, com sorte, traz-se o objeto da caça capturado no disco de memória da câmara para soltá-lo no espaço virtual do computador e da rede. Meus destinos turísticos estão passando a levar em conta novos habitats onde eu possa ampliar as possibilidades de ver e fotografar novas aves.

Estou longe de ser o único a se maravilhar com os pássaros e querer sistematizar essa paixão. O pioneiro mais famoso foi  John James Audubon, que inspirou a norte-americana Audubon Society . No Brasil temos o site Wikiaves, onde, quem se interessar, pode ver alguns de meus registros fotográficos amadores e muitos outros de grandes fotógrafos de talento, dedicação e equipamentos de primeira linha. O Brasil tem 1832 espécies diferentes de aves oficialmente registradas. O Wikiaves tem mais de 12 mil colaboradores, mais de 640 mil registros fotográficos e 38 mil registros sonoros. Ainda existem 18 aves já observadas mas não fotografadas no Brasil. Quem se habilita?

Algumas de minhas fotos favoritas:
Topetinho-vermelho fêmea (que não tem topetinho) em flor de marianeira.

Saracura-do-mato

Tiê-de-topete

Frango-d'água-azul

5 comentários:

  1. Adorei as fotos! Fui outro dia ao Wikiaves e fiquei encantada. Estou tirando fotos de aves quando vou a Friburgo, mas aqui no Rio também tenho me surpreendido vendo aves incríveis. Outro dia me dei conta que não sei diferenciá-las e fiquei impressionada. O Wikiaves vai me ajudar... Valeu pela dica! Abraços Bia Mares Guia

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  2. Muito lindo ver "esses objetos da caça soltos no espaço virtual do computador e da rede".
    Gostei muito da crônica pela sutileza das observações feitas e pelo modo de ver o mundo.Parabéns!

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  3. Todas estas fotos dariam umas aquarelas belíssimas. A que tem as minhas cores favoritas é a da Saracura do Mato. Aquele ultramarine e prussian ao lado do burnt Sienna, o detalhe do bico verde e uma ou outra plantinha, tudo parece formar uma combinação perfeita!

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  4. Belo texto!
    Ao ler a narrativa da sua espreita em busca da ave a ser focada, foi inevitável o paralelo com o pescador e sua vara de pescar, em sua pequena canoa, à espera da refeição diária. Os fins são distintos (se bem que, pensando melhor, ambos buscam alimentar-se - um de beleza para a alma e o outro de comida para o corpo), mas "as paciências" assemelham-se, né?
    Bom, o que me resta? Agradecer a você por mais esta, Ralph! Um abraço!

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  5. Olá Ralph, parabéns pelo texto e pelas belíssimas fotos.
    Gostaria de saber se podemos compartilhar uma foto acima, do topetinho-vermelho fêmea na flor de Marianeira. Podemos compartilhá-la no frutadesabia.com.br e nossa página do facebook? Claro, com os devidos créditos que desejar caso permita essa publicação.
    *Favor responder para o email zerenato@frutadesabia.com.br
    Parabéns e obrigado.

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