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terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Tornado!

(aquarela, acquarella, watercolor, hurricane)

domingo, 13 de janeiro de 2013

Um Estranho no Planalto: Crônicas Brasilienses


Meus amigos mais próximos sabem: eu já tive minha cota de convivência e proximidade com o centro de decisões do Brasil. Entre 1998 e 2000 trabalhei no Departamento de Saúde Suplementar do Ministério da Saúde, que logo seria transformado na ANS e transferido para o Rio.

Meu primeiro casamento tinha acabado de se desfazer quando recebi o convite para integrar a equipe que teria a missão de regulamentar a recém-promulgada lei dos planos de saúde. Fiquei em dúvida, mas algumas pessoas me disseram o equivalente a “sua vida já está toda revirada mesmo, uma revirada a mais não fará diferença”. Tinha sua lógica. Aceitei.

Primeira tarefa: adequar o guarda roupa. Era (e voltei a ser) daqueles que só vestem terno e gravata em casamento. Tive que treinar a dar nó em gravata. Passei a ter dois nós (pasmem!) no meu repertório: o de duas voltas, para gravatas de tecido fino, e o de uma volta apenas, para tecidos mais encorpados. Tive que comprar alguns ternos e camisas, além de gravatas e aprender a combiná-los, coisa que fui conseguindo aos poucos observando homens que me pareceram elegantes e reportagens de moda masculina nas revistas. Acabei concluindo que gravatas listradas não têm erro: são sempre sóbrias e corretas. Cheguei a ter uma atração inusitada por elas. Conferia sempre as vitrines e comprava sempre que descobria uma que me chamasse a atenção. Fazia questão de fazer um nó gordo e sem pregas, e não descuidava no comprimento exato, apenas tocando o cinto da calça.

Embarcava, ainda sonolento, no avião das sete da manhã toda segunda feira no Galeão, onde, invariavelmente embarcava também o ministro da Fazenda da vez: primeiro o Gustavo Franco e mais tarde, quando FHC abandonou a âncora cambial em 1999, o Armínio Fraga. Antes das nove eu já estava a postos no Ministério. Voltava de Brasília no voo das seis da tarde da quinta, na companhia da bancada federal do Rio: Miro Teixeira (um gentleman com voz de barítono), Jandira Feghali, Fernando Gabeira, Jair Bolsonaro (que tinha o passatempo de mau gosto de falar mal da ex-mulher para quem quisesse ou não quisesse ouvir), Francisco Dornelles e o então ainda gordo Roberto Jefferson, entre outros literalmente menos votados. Este voo ainda hoje é tradicionalmente conhecido como “esperança de suplente”. E eu lá.

Aluguei uma quitinete na Asa Norte com a verba da ajuda de custo. A princípio, uma sensação de solidão angustiante e opressiva, agravada pela secura de final de inverno no Planalto, que deixa os gramados queimados e o ar difícil de respirar. Mas, aos poucos fui travando amizade com os muitos colegas em cargos comissionados no mesmo departamento, vivendo situação de igual solidão. Acabamos por nos mudarmos todos para um mesmo hotel antiguinho no Setor Hoteleiro Norte e passamos a compartilhar nossas solidões. Dali, saíamos para caminhadas matinais no Parque da Cidade, tomávamos café  e depois rachávamos o taxi até o Ministério. Na época, eram tolerados táxis piratas na capital, que cobravam menos pela corrida. Logo descobrimos que não valia a pena a economia. Os carros eram velhos e mal cuidados. Uma vez, o motorista cheirava tão mal que fomos todos como cachorros, com a cabeça pra fora da janela e o nariz ao vento, menos o colega que estava no meio no banco de trás. Coitado.

Havia a “turma do pão de queijo”, proveniente das alterosas, que esvaziava literalmente as cestas do quitute que lhes dava o nome no café do hotel. Dessa turma fazia parte o Faustinho, que ainda viria a ser diretor da ANS. Havia gente de todo o Brasil trabalhando no departamento, bem poucos de Brasília. Esta é, talvez, a característica mais marcante da cultura brasiliense: quase todos ali são “estrangeiros”, exilados, e a maioria, mesmo vindo a residir definitivamente em Brasília, sente-se desterrado. Os sotaques dos quatro cantos do país se misturam nas salas e corredores da Esplanada. Aos poucos fui me tornando expert em adivinhar a origem de meus colegas e aprendendo gírias e expressões de todo o Brasil.

Estava há, talvez, dois meses por lá quando caíram as primeiras chuvas, um toró no meio da tarde. A vontade que se tem é de ir para o meio da rua e ficar chutando e chapinhando nas poças d’água. O clima e o humor das pessoas melhora como que por decreto. Em cinco dias, se tanto, o verde ressurge vigoroso nos gramados, os pássaros passam a cantar e os carros a derrapar e a bater. A poeira fina acumulada, quando molhada, vira sabão. Até serem lavadas pela continuidade das chuvas, as ruas de Brasília se transformam num enorme rinque de patinação para automóveis. Nas “tesourinhas”, tem sempre um ou mais carros acidentados. As noites ficam frescas, e , ao contrário do Rio, o clima em Brasília é ameno no verão. No jardim do hotel havia um pé de dama-da-noite que perfumava as noites de todo o quarteirão em dezembro.

À noite, o programa dependia do dia da semana. Nas quartas nos reuníamos no restaurante do hotel, que não funcionava à noite, mas onde os funcionários nos emprestavam pratos, copos e talheres e ligavam a TV pra assistirmos futebol compartilhando pizza acompanhada de cerveja. Nos demais dias, começamos, aos poucos, a explorar a vida noturna de Brasília.
(continua)

domingo, 6 de janeiro de 2013

Olha o Passarinho!


Alma-de-gato.
Não sei quanto a vocês. Trabalhei com uma pessoa que detestava quando o vizinho, o jornaleiro ou o dono da padaria da esquina tentava se tornar um pouco mais íntimo, perguntando-lhe o nome ou puxando conversa. “Odeio intimidades com estranhos”, reclamava. De minha parte, acho ótimo saber o nome do jornaleiro, do ascensorista do consultório, falar sobre nosso Fluminense com o João da loja de ferragens ou sobre jipes e motos com o Fernando da padaria. Em São Francisco, o bairro onde moramos, ainda se preserva o hábito de dar bons dias àquelas pessoas com quem cruzamos na rua a caminho da compra do pão fresco da manhã ou no passeio com o cachorro. Conheço até grande parte dos cães do bairro: o sharpei mal humorado, a bulldog francesa barulhenta, a pitbull histérica, a boxer tímida, o golden retriever boa praça, Rex, o vira-lata rei do pedaço e muitos outros. Conhecer e ser conhecido me dá uma sensação reconfortante de ser alguém, e não mais um rosto anônimo. Isso é muito facilitado pelo fato de São Francisco ser (ainda) um bairro de muitas casas e poucos prédios, portanto com baixa densidade de habitantes e, pelo menos em suas ruas internas, pouco movimento nas ruas.

Da mesma forma, nunca me conformei em passar uma vida inteira por uma árvore sem saber de que espécie se trata, ou em escutar o canto de um passarinho sem saber reconhecer quem é o autor do gorjeio refinado ou do pio repetitivo. Admiro-me quando verifico que a maioria das pessoas não sabe bem a diferença entre um pardal e um tico-tico ou não distingue um sabiá de um bem-te-vi. Nem sabe diferenciar uma pata de vaca de um algodão da praia, árvores corriqueiras nas calçadas e praças da cidade.

Esta curiosidade natural se acentuou muito quando começamos a frequentar Rio Bonito de Cima, localidade serrana em Nova Friburgo. Lá, a variedade de pássaros é enorme. Comecei a fotografar as aves e flores do lugar de modo descompromissado, mas logo me vi compelido a expandir meus conhecimentos botânicos e ornitológicos. Comprei então os  ótimos livros Aves do Brasil, de Dalgas Frisch e os dois volumes de Árvores Brasileiras , de Harri Lorenzi, e passei a exercitar minha atenção em relação ao mundão de árvores e passarinhos do lugar. Apenas dentro do perímetro do sítio, que tem apenas um alqueire, já identifiquei e fotografei mais de setenta espécies diferentes de aves, mas existem muitas mais.

Quando acordo por lá, com as primeiras luzes da manhã, as aves estão tagarelando no volume máximo. Já da cama identifico os gritos da saracura, o canto dos sabiás, a gritaria das tiribas, o trinado da cambaxirra, um duelo de pichanchões. Calço os sapatos e saio munido de teleobjetiva, caminhando em silêncio com olhos e ouvidos atentos. Existem duas estratégias básicas: uma é ir atrás do canto mais interessante, outra é buscar um lugar com boa possibilidade de visitas aladas: um pé de marianeira ou goiabeira carregadas ou um arbusto florido e esperar para ver o que aparece. De qualquer forma, a espreita amplia os sentidos e afugenta todos os pensamentos que não sejam focar o presente. A atenção se volta para o mínimo ruído, para a menor folha que cai, para o mínimo movimento que ocorra em nosso campo de visão periférico, mesmo um discreto agitar da folhagem pelo vento. Os reflexos e instintos ancestrais voltam todos, vindos de partes do cérebro adormecidas pela civilização. Não em busca de uma refeição ou para não vir a ser transformado em refeição por alguma fera. Apenas em função de uma visão de um pássaro ainda não visto ou não fotografado. Depois, com sorte, traz-se o objeto da caça capturado no disco de memória da câmara para soltá-lo no espaço virtual do computador e da rede. Meus destinos turísticos estão passando a levar em conta novos habitats onde eu possa ampliar as possibilidades de ver e fotografar novas aves.

Estou longe de ser o único a se maravilhar com os pássaros e querer sistematizar essa paixão. O pioneiro mais famoso foi  John James Audubon, que inspirou a norte-americana Audubon Society . No Brasil temos o site Wikiaves, onde, quem se interessar, pode ver alguns de meus registros fotográficos amadores e muitos outros de grandes fotógrafos de talento, dedicação e equipamentos de primeira linha. O Brasil tem 1832 espécies diferentes de aves oficialmente registradas. O Wikiaves tem mais de 12 mil colaboradores, mais de 640 mil registros fotográficos e 38 mil registros sonoros. Ainda existem 18 aves já observadas mas não fotografadas no Brasil. Quem se habilita?

Algumas de minhas fotos favoritas:
Topetinho-vermelho fêmea (que não tem topetinho) em flor de marianeira.

Saracura-do-mato

Tiê-de-topete

Frango-d'água-azul