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domingo, 24 de março de 2013

Essas Assustadoras Mulheres

Não, ela não morde. Só, talvez, se você pedir.

Eu fui um adolescente tímido. Durante aqueles anos de espinhas e inseguranças, eu passava minhas férias e boa parte dos feriados na casa de meus avós em Nova Friburgo. Lá tinha muitos amigos, alguns moradores da cidade, outros veranistas como eu. Algumas daquelas amizades perduram até hoje. A Serra do Mar é o cenário da maioria de minhas lembranças de juventude, inclusive de meu difícil aprendizado na matéria de relacionamento com o sexo oposto. Frequentemente eu subia e descia a serra de ônibus. Antecipava, em meus devaneios, entre esperançoso e atemorizado, a possibilidade de uma bela garota vir a sentar-se bem a meu lado durante a viagem. Como começar uma conversa? Munia-me sempre de um tubo de drops de hortelã para o dia em que o Acaso me sorrisse. Diria então: “Quer um drops?” Se ela negasse e desviasse o olhar para a paisagem, fim da tentativa e, entre decepcionado e aliviado, eu estaria de volta à minha solidão. Mas, e se ela aceitasse? E se, além de aceitar ela sorrisse para mim, convidando-me para dar continuidade à conversa? Não tinha a menor ideia do que diria depois, e a possibilidade da mudez e do rubor me apavoravam. Para encurtar a angústia do leitor, digo que, para o bem ou para o mal, aquela garota imaginária nunca se sentou ao meu lado naquelas viagens.

E assim era a minha atormentada vida de adolescente tímido. Via, roído de inveja, amigos meus namorarem ou buscarem compromissos efêmeros e menos sérios. Às vezes, as duas coisas simultaneamente. Depois de deixarem as namoradas em casa, muitos iam “à caça de umas frangas”, como dizia um colega de faculdade. A pílula anticoncepcional começava a mudar radicalmente o comportamento sexual, desvinculando o sexo da gravidez e do consequente compromisso. O casamento deixava de ser a única oportunidade de um rapaz ter uma vida sexual regular sem ter que lançar mão das profissionais do ramo. Amor e sexo podiam, enfim, andar de mãos dadas antes das responsabilidades inerentes ao casamento e à reprodução. Os rapazes, entretanto, ainda tinham de deixar suas namoradas em casa antes que as portarias dos prédios fossem trancadas às 22 horas, como ocorria então. Nove e meia da noite era a senha para que as moças de família deixassem apressadas os motéis, e a fila de carros com outros casais que aguardavam nos acessos do lado de fora começasse finalmente a andar. Muita hipocrisia e muita vista grossa por parte dos pais, que ainda faziam (ou fingiam) escândalo quando descobriam uma cartela de pílulas na bolsa da filha, ao mesmo tempo que mal conseguiam disfarçar o orgulho quando um de seus pimpolhos machos “embuchava” uma menina que “não se dera o respeito”.

Os tempos são outros. Os motéis, em sua maioria, fecharam as portas e suas ruínas ao longo das estradas são monumentos à rápida mudança dos costumes. Os namorados hoje dormem misturados aos bichos de pelúcia no quarto das garotas e os pais não se incomodam, contanto que não seja um diferente a cada mês.

Mesmo naquele novo contexto, eu me via obrigado a atender certos códigos de comportamento. A proximidade de uma garota que me despertasse atração física impunha, eu imaginava, o atendimento de expectativas sociais não escritas de desempenhar um papel de sedução erótica para o qual me sentia totalmente inepto. Depois de muito sofrimento, desisti. Aquele tipo de comportamento não era próprio de mim, e eu levei algum tempo para aceitar o que, a princípio, me parecia uma grave deficiência pessoal: a incapacidade de “chavecar” de forma teatral. Imagino que nesse ponto um rapaz que não tenha uma clara e inata atração física pelas mulheres possa cogitar a homossexualidade. Não era o meu caso, felizmente, o que facilitava muito as coisas. Na realidade, só do que eu precisava era de uma nova estratégia. Percebi então que, quando conseguia abstrair o apelo erótico, eu me via capaz de entabular conversa com as garotas. Lembro-me bem de uma ocasião, saindo à noitinha de uma aula de natação no primeiro ano da faculdade, ter embarcado no ônibus que me levaria até em casa com uma colega de piscina com a qual nunca havia conversado. Apesar de ela estar longe de ser feia, as palavras me saíram fáceis e impensadas, e eu desci do ônibus com a nítida impressão de que ela me achara um cara simpático. Foi uma libertação: não era preciso que eu bancasse o macho rude e sexualmente agressivo. Podia ser eu mesmo e estabelecer minha própria tática, que era, basicamente, a ausência de qualquer tática. A proximidade de uma mulher interessante não mais me paralisava. O desfiladeiro para fora do vale da timidez passava pela transparência e por um sincero interesse na totalidade do ser humano que existia dentro de cada mulher atraente, agora não mais ameaçadora. Nunca mais as coisas foram as mesmas. O caminho até o coração e o corpo das garotas se aplainou de forma quase mágica. Vi, surpreso, que aquela atitude nova era capaz de acender interesses até onde eu não tivera intenção de despertá-los, balas perdidas do amor.

Daquelas primeiras aventuras e descobertas, independente do enlevo do apaixonar-se e das pulsões do amor físico, persiste em mim um profundo respeito e uma enorme curiosidade pelo ser do sexo oposto, elas que dividem conosco a experiência humana, mas de um ponto de vista diverso. Como um par de óculos 3D, compreender (na medida em que nos é possível) a experiência feminina pode acrescentar profundidade, uma nova dimensão à nossa visão do mundo. E o que nós, homens, não formos capazes de compreender é a porção de mistério que nos fascina e atrai.

5 comentários:

  1. Quanto ao encantamento pela visão de mundo do gênero oposto, filio-me ao seu entendimento. Para mim, a forma masculina de compreender os acontecimentos e de expressar os sentimentos é algo que me encanta (no sentido mais puro desta palavra)!

    Seu texto flui fácil, Ralph! É uma leitura que agrada e que, quando chega ao fim, deixa um gostinho de quero mais. Alguns dizem que isto pode ser exercitado, pode ser fruto de condicionamento. Eu, (talvez) do alto de minha ignorância, creio em talento puro! E, por isso, o agradeço por mais esta oportunidade! Parabéns!

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  2. Muito bom texto! Curti especialmente a partir do terceiro parágrafo... as "balas perdidas do amor" e o último parágrafo estão magistrais. Falando agora do conteúdo, acho que é isso aí, dividir a experiência humana... Uma maneira muito interessante de mulher e homem se tornarem um, além da que dispensa explicações, é esse conhecimento do ponto de vista do outro. E é uma experiência sem limites, de surpresas inúmeras e deleite permanente (assim eu vejo). Aí diz Rubem Braga: " 'Como que um homem pode sentir essas coisas? Você é homem mesmo?' Respondi que sim; era, mas sem exagero. Aliás, está provado que cada pessoa de um sexo tem certas características do sexo oposto, ninguém é totalmente macho nem fêmea." E é isso que permite a experiência humana e o acesso aos mistérios do outro... Beijos, parabéns!

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  3. Ah!!!! Agora entendi o motivo da falência do motéis!!! Juro que não tinha pensando nisso antes...
    Adorei o texto!
    Se me permite, gostaria de partilhar o link para o meu blog também. Que tal uma parceria?

    http://biamaianeves.blogspot.com.br/

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  4. Quando vai lançar o livro com suas crônicas? Adoraria ter um autografado.
    Grande abraço.

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  5. O equilíbrio entre as duas porções ,feminina e masculina,faz seres humanos mais interessantes.

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