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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Folhagem

after John Singer Sargent
 (clique na imagem para ampliar)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Companhias à mesa


1. Frutas e frutinhas

O restaurante a quilo está cheio, e as mesas são quase coladas umas às outras. O rapaz vestido com cuidado na combinação das cores, óculos escuros segurando no lugar os cabelos cuidadosamente desalinhados, se aproxima de minha mesa e pergunta se a mesa ao lado está vaga. Boca cheia, faço um gesto para que fique à vontade. Ele então pousa o prato com sushis e sashimis e a tigelinha de shoyo, sentando-se em seguida. Um garçom se aproxima com a presteza dos restaurantes de alta rotatividade:

“O Sr. já pediu a bebida?”

Meu vizinho, como que atordoado pela pergunta assim, de chofre, faz um ar pensativo. Súbito, uma luz lhe perpassa o semblante e ele, decidido, tasca: “Tem suco de lichia?”

“Lichia, infelizmente não temos.”

A mirada de meu comensal se abate por um breve momento, mas logo se refaz:  “E de frutas vermelhas, vocês têm?”

O garçom, solícito, esforça-se em repassar na memória todas as frutas disponíveis na casa, selecionando-as pela cor. Mamão é alaranjado, não é vermelho. Será que caqui pode ser considerado vermelho? Melancia é rosa escuro, fúcsia ou vermelho? “Temos melancia e morango”, conclui sem disfarçar o alívio em poder bem atender o freguês.

“Não tem framboesa?”

“Framboesa, não, infelizmente. Só melancia e morango.”

O rapaz está visivelmente decepcionado. Suspira discretamente, fazer o quê? “Tá bom, então melancia com morango”, conforma-se. Em seu âmago toma uma decisão irrevogável: nunca mais adentrar um restaurante sem antes certificar-se da variedade de seu acervo de frutinhas vermelhas.

2. Quatro queijos

Estou em São Paulo a trabalho. Meu colega sugere irmos a uma churrascaria para o jantar e, pelo celular, convida o Paranhos, um amigo dele que também está na cidade para nos fazer companhia. Eu, que não sou entusiasta de churrasco, concordo passivamente com a indicação de “uma ótima lá no Bixiga”.

Quando descemos do táxi, Paranhos já nos espera à porta do restaurante. Já  conhecia o Paranhos de encontros de trabalho. Cabelos grisalhos, quase brancos recobrindo cuidadosamente as orelhas, pele de janeiro a janeiro em tom de havaiano de filme, blazer elegante e sapatos caros. Cumprimentamo-nos com entusiasmo e entramos. Pedimos cervejas, menos o Paranhos que pede um 12 anos. Saboreado o primeiro gole, nos dedicamos a analisar com cuidado as muitas opções de carne do cardápio. Um sorriso maligno se acende, então, no rosto do amigo de meu amigo.

“Repara só, vou ferrar com eles agora,” anuncia. Faz um rosto de candura angelical enquanto chama o garçom. “Amigo, eu estou pensando em pedir um espaguete aos quatro queijos. Você pode me informar quais são os quatro queijos que vocês usam aqui?”

O garçom, obviamente, não sabe. “Vou pedir ao maitre que venha atendê-los”, esquiva-se.

Vem o maitre: “Parmegiano, camembert, roquefort e mussarela, Sr”.

Vez do Paranhos seguir com o jogo. “Posso ver qual é o Roquefort que vocês estão usando?”

O maitre transpira ligeiramente nas têmporas. “Vou verificar e trago já para o Sr.”

Paranhos antecipa a vitória: “Duvido que eles tenham roquefort. É sempre assim, eles anunciam quatro queijos e não passa de mussarela, parmesão de terceira mais um cheirinho de gorgonzola nacional. E olhe lá!”

O maitre volta derrotado: “Sinto muito, Sr., mas hoje não temos mais como servir a massa aos quatro queijos.”

Paranhos sorri em triunfo. Ganhou a noite. Eu penso que deveria ter ficado no quarto do hotel assistindo futebol e comendo pizza.

3. Catuaba

Estação da Central do Brasil, quatro da tarde de sexta. Tomo um refresco de maracujá no balcão do bar, observando o vai e vem de gente apressada a caminho da cidade ou das plataformas onde tomarão o trem que os levará de volta ao subúrbio. Um homem moreno de meia idade, trajando bermuda, chinelos e camiseta sem mangas senta-se no banco ao lado. Tem uma barriga daquelas com muita história para contar e ostenta um bigode grisalho, do tipo que era moda entre os PMs no tempo em que eu fazia residência médica no Hospital da itimorata corporação Policial Militar do Rio de Janeiro. Transpiramos os dois no calor democrático do dezembro carioca.

“Ô Carlinhos, me vê um Caga-Sangue no capricho e uma cerva bem gelada, que hoje não está mole não,” grita ele para o rapaz do balcão. “Mas antes me traz uma catuaba, falou?”

Irmanados no suor, trocamos um breve olhar solidário. Uma voz rouca e poderosa irrompe do salão da estação:

“Fala, mermão! Não morreu ainda não, seu corno?”

Meu companheiro de balcão se ergue abrindo o sorriso e os braços. “E aí, seu veado? Já largou a velha?”

“Que velha, pô?”

“A velha mania de dar!” E os dois caem na gargalhada.

O balconista volta: “Hoje estamos sem catuaba, seu Geraldo.”

“Então manda um Fogo Paulista.”

“Está precisando disso agora, é?”, caçoa o amigo? Novas gargalhadas.

Deixo os dois discutindo as perspectivas de Flamengo e Vasco para o ano seguinte e saio em direção à Presidente Vargas assoviando um samba de Paulinho da Viola. Hoje vai ter vuco-vuco depois da novela das nove lá em Vigário Geral.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A ponte original de Isaac Levitan

Este é o óleo original de Levitan que eu copiei em aquarela. Isaac Levitan (1860 - 1900) nasceu na então Rússia, hoje  território da Lituânia. Um paisagista espetacular, pouco conhecido por nós. Dá para perceber as diferenças das duas técnicas? A luminosidade da aquarela é muito bacana, e o que me encanta na técnica. Mas foi o Levitan que me cedeu a composição, as cores e a luz, tudo prontinho. O quadro original é  bem grande, enquanto a aquarela mede apenas 20x25 cm: então o original tem muito mais detalhes que a gente tem que sintetizar na aquarela.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Quatro contos curtos


1
Procurou no bolso de trás. Achou um papelzinho dobrado e amassado, sobrevivente de duas ou três lavagens. Abriu com cuidado, o número ainda legível. “Me liga.“ Valéria aguardaria até o fim de novembro. Suspirou. Fez uma bolinha com o papel e a atirou no bueiro. Procurou no outro bolso e entrou resoluto no supermercado com a lista de ingredientes para a rabanada.

2
As juntas rígidas, o pelo sem brilho se soltando à medida que eu espalhava o sabão. O cheiro insistente da velhice exigia intervalos menores entre os banhos. E aqueles olhos grandes e amigos, cravados nos meus, suplicando uma explicação para a vida se esvaindo pelo ralo. Eu, o homem da casa, sou naturalmente o incumbido de decidir o quando e o como.

3
Sexta feira. Apertou a campainha da casa dela mais uma vez. Surpreendeu-se, o ritmo cardíaco não se alterava mais. Talvez já fosse hora de considerar esse tal de amor.

4
O caminhão partiu levando os móveis, os brinquedos e a TV. As crianças ela tinha levado na véspera. Ficarem ele e o gato cego na sala oca. Como ele iria se orientar naquele vazio?

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Gavilan: Never say no to Panda

Homenagem à amiga e colega de aquarela Clara Gavilan. Veja este blog bacana (e um sucesso!) acessando o link Gavilan aí à direita. Never say no to Panda! Acho que o Panda estava dirigindo o busão...

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Cinquentinha

Decoração legal. Amarelo. Amarelo o quê mesmo? Açafrão, isso! Amarelo açafrão. Mesma cor daquele arroz com açafrão que eu pedia às vezes no jantar naquele hotel em São Paulo. Era bom. Sentava embaixo da luminária, naquela mesa do canto, ficava lendo Nelson Rodrigues, tomando coca-cola com limão e comendo arroz com açafrão. O arroz acompanhava o quê? Frango, acho que era frango. Depois aquele expresso fazendo derreter na boca a pastilha de chocolate amargo com menta. Delícia. Ficou legal essa parede amarela, coisa de arquiteta ou arquiteto gay. Homem não pensa em amarelo açafrão. Será que o médico é gay? Só me falta, eu prestes a levar uma dedada de um urologista gay. Paranóia. Todo mundo aqui nesta sala já levou dedada. Aquele senhor magrinho, cabelo branco, não está nem aí, já deve ter levado muitas. A gente acostuma. A gente acostuma com tudo na vida, dedada é o de menos. Câncer. Câncer é dose. Difícil. Mas acho que até isso a gente acaba acostumando. Será que o velhinho já teve câncer? Se teve e operou, deve ter ficado brocha. Também, na idade dele, não deve fazer muita diferença mesmo. Olha só a mulher dele, já devem ser casados há séculos, bodas de plutônio. Será que ainda transam? Difícil. Viver junto sem sexo, acho que a gente acostuma também. Perde a vontade, não sente falta. Fica só a amizade, legal, já fizeram tanta coisa juntos. Já transaram muito, já constituíram família, filhos, netos. Difícil olhar pra essa velha e imaginar ela novinha, gostosinha. O marido dela deve ver ela novinha e gostosinha ainda. Amor faz essas coisas. Eu acho.  Mas quem olha assim acha que ela já nasceu velha, com ruga e pelanca. Mas ela já foi gatinha, foi sim. Tá junto com ele aqui, até no câncer. Se é que ele está com câncer. Vai ver, está botando prótese peniana. Não, ele não. Aquele outro ali, sim. É meio velho também, mas pinta o cabelo. Ridículo. Eu não vou pintar o cabelo. Ainda bem que ainda tenho todos os meus cabelos. Pelo menos, ainda não dei falta de nenhum. Tem até uns novos nascendo na orelha. Acho que nunca vou ficar careca. Vou ficar é grisalho, a mulherada gosta. Definitivamente, não vou pintar o cabelo. Ele deve ter mulher nova, novo casamento, fica fazendo essas coisas ridículas, pintar o cabelo, usar camiseta. Talvez estivesse melhor com alguém da idade dele. Esse negócio de casar com mulher mais nova deve ser complicado, ficar aturando aquelas inseguranças de quem ainda não se afirmou. “Tô bonita? Tô feia? Tô gorda? A chefe me persegue...” Haja paciência. Não sei se paga a pena, só pela carne dura. Sexo é só um pedacinho do dia. No início, é mais, mas depois é só um pedacinho, e depois, nem é todo dia. E o resto do tempo? E quando você tem um problema e não tem uma mulher madura pra te ouvir? A secretária deve ser sozinha, só pode. Deve ter sido escolhida pela mulher do médico. Cabelo curto, sem pintura, sapato baixo. Essa aí já morreu para os homens, só deve pensar nos filhos, que, vai ver, nem ligam pra ela. Ou então não é nada disso. Como é que as mulheres só querem ler Caras, meu? Podendo ler tanta coisa que acrescente ficam lendo Caras. Depois a gente vai conversar e assunto que preste, nada, só fofoca. Me lembra aquela garota com quem eu saí uma vez, como era mesmo o nome? Tânia, isso, Tânia. Gatinha, mas não deu pra encarar. Com meia hora de conversa já estava se repetindo, não tinha assunto, como é que pode, só abobrinha. A porta abriu, acho que agora é minha vez, o doutor está me chamando. Caramba, que mão enorme.