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domingo, 30 de junho de 2013

Einstein e a revolução

Num artigo de 1949, publicado na revista "Monthly Revew", Albert Einstein se posiciona a favor do socialismo e contra o capitalismo. A Segunda Grande Guerra terminara havia pouco, e homens de boa vontade, como Einstein, viam na possibilidade do socialismo uma esperança para um mundo mais justo. Passados 64 anos, a história já testou a hipótese socialista. Onde ela foi uma opção democrática alcançada gradualmente pela vontade da população, ela vingou e deu frutos. Onde ela foi imposta de cima para baixo pela força por um pequeno grupo, ela fracassou. Einstein acreditava nas virtudes morais do novo homem socialista, enquanto Orwell alertava que a essência do homem não muda, independente do sistema político vigente. Como político, Einstein era um físico excepcional. Orwell, por sua vez, continua atual.

Aqui apresento a íntegra do artigo de Einstein, onde faço críticas (em amarelo) e comentários. Os SEUS comentários também são bem vindos.

Por que Socialismo?[N1]
Albert Einstein
Maio 1949


Primeira Edição: Monthly Review, nº 1, maio 1949.
Origem da presente Transcrição: Monthly Review.
Tradução: Rodrigo Jurucê Mattos Gonçalves para o Marxists Internet Archive, Janeiro 2007.
HTML de: Fernando A. S. Araújo .
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.


É aconselhável que alguém que não é um especialista em assuntos econômicos e sociais expresse suas opiniões acerca do tema do socialismo? Creio, por uma quantidade de razões, que sim.
Consideramos primeiramente a questão desde o ponto de vista do conhecimento científico. Poderia parecer que não há diferenças metodológicas essenciais entre a astronomia e a economia: os cientistas de ambos os campos tentam descobrir leis de aceitabilidade geral para um grupo circunscrito de fenômenos com o objetivo de fazer a interconexão destes fenômenos tão claro quanto for possível. Mas na realidade tais diferenças existem. O descobrimento de leis gerais em economia se complica pela circunstância de que os fenômenos econômicos observados são freqüentemente influenciados por muitos fatores que são muito difíceis de avaliar separadamente. Além disso, a experiência que se acumulou desde o princípio do chamado período civilizado da história humana tem sido — como é sabido — grandemente influenciada e limitada por causas cuja natureza não são de nenhum modo exclusivamente econômicas. Por exemplo, a maior parte dos Estados na história devem sua existência à conquista. Os povos conquistadores se estabeleceram, legal e economicamente, como a classe privilegiada do país conquistado. Atribuíram-se o monopólio da posse da terra e designaram para o sacerdócio alguém de suas fileiras. Os sacerdotes, com o controle da educação, fizeram da divisão de classes da sociedade uma instituição permanente e criaram um sistema de valores mediante o qual dali em diante o povo foi, em grande medida inconscientemente, guiado em sua conduta social.
Mas a tradição histórica é, por assim dizer, de ontem; em nenhuma parte temos realmente superado o que Thorstein Veblen chamou de “a fase depredadora” do desenvolvimento humano. Os feitos econômicos observáveis pertencem a esta fase e suas leis não são aplicáveis a outras fases. [Primeiro] Dado que o propósito real do socialismo é superar e avançar além da fase depredadora do desenvolvimento humano, a ciência econômica em seu estado atual não pode deixar muita luz sobre a sociedade socialista do futuro.
Segundo, o socialismo está dirigido para um fim social-ético. A ciência, sem embargo, não pode criar fins nem, ao menos, induzí-los nos seres humanos. Mas os fins em si mesmos são concebidos por personalidades com elevados ideais éticos — estes propósitos não são rígidos senão vitais e vigorosos — são adotados e levados adiante por aqueles muitos seres humanos que — quase inconscientemente — determinam a lenta evolução da sociedade.
Por estas razões, deveríamos estar atentos a não sobrestimar a ciência e os métodos científicos quando se trata de problemas humanos, e não deveríamos assumir que os especialistas são os únicos que têm direito e expressar-se sobre as questões da organização da sociedade.
Inumeráveis vozes têm afirmado desde já algum tempo que a sociedade humana está passando por uma crise, que sua estabilidade está gravemente prejudicada. É característico desta situação que alguns indivíduos se sintam indiferentes, ou integrados, ou hostis ao grupo que pertencem, seja ele grande ou pequeno. Para ilustrar este ponto, deixem-me registrar aqui uma experiência pessoal. Recentemente discuti com um homem inteligente e bem disposto a ameaça de outra guerra, a que em minha opinião colocaria seriamente em perigo a existência da humanidade, e comentei que somente uma organização supranacional poderia proteger-nos daquele perigo. Depois, o homem, calmamente e friamente, me disse: “Por que você se opõe tão profundamente ao desaparecimento da raça humana?”
Estou seguro que apenas um século atrás ninguém teria afirmado tão levianamente algo semelhante. É a declaração de um homem que se esforçou em vão para alcançar um equilíbrio interior e basicamente perdeu a esperança de alcançá-lo. É a expressão de uma solidão e isolamento de que muita gente sofre hoje em dia. Qual é a causa? Tem uma saída?
É fácil fazer estas perguntas, mas é difícil respondê-las com alguma segurança. Devo tratar, contudo, da melhor maneira que se pode, mesmo eu sendo consciente da ação de nossos sentimentos e esforços que podem ser contraditórios e obscuros e que não podem ser expressados em fórmulas fáceis e simples.
O homem é, ao mesmo tempo, um ser solitário e um ser social. Como ser solitário, busca proteger sua própria existência e aqueles que são mais próximos, para satisfazer seus desejos pessoais e desenvolver suas habilidades inatas. Como ser social, busca conquistar o reconhecimento e o afeto de seus semelhantes para compartilhar o seu prazer, confortá-los com sua solidariedade e melhorar suas condições de vida. Só a existência destes esforços, freqüentemente em conflito, podem dar conta do caráter especial do homem, e sua combinação específica determina até que ponto um indivíduo pode alcançar o equilíbrio interior e contribuir para o bem estar da sociedade. É bem possível que a força relativa destes dois impulsos diversos esteja, basicamente, fixada pela herança. Mas a personalidade que finalmente emerge está em grande medida formada pelo entorno em que o homem se encontra durante o seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade em que cresce, pela tradição desta sociedade, e por sua valoração de diversos tipos de condutas. O conceito abstrato “sociedade” significa para o indivíduo a soma de suas relações, diretas e indiretas, desde os seus contemporâneos até as gerações anteriores. O individuo é capaz de pensar, sentir, atuar, e trabalhar por si mesmo, mas sua dependência da sociedade é tanta — em sua existência emocional e intelectual — que é impossível pensar nele, ou compreendê-lo, fora do marco da sociedade. É a “sociedade” quem lhe proporciona comida, roupas, ferramentas de trabalho, linguagem, as formas de pensamento, e a maior parte do conteúdo do pensamento; sua vida se faz possível graças ao trabalho e às conquistas dos muitos milhões, contemporâneos e antepassados, que estão escondidos detrás da pequena palavra “sociedade”.
É evidente então que a dependência do indivíduo pela sociedade é um feito natural que não pode ser abolido — exatamente como no caso das formigas e das abelhas. Sem dúvida, enquanto todas as ações das formigas e das abelhas estão fixadas até o menor detalhe por instintos rígidos e hereditários, os capatazes sociais e as interrelações dos seres humanos são muito variáveis e suscetíveis à mudança. A memória, a capacidade de realizar novas combinações, o dom da comunicação oral têm feito possíveis desenvolvimentos nos seres humanos que não são ditados por necessidades biológicas. Estes desenvolvimentos se manifestam nas tradições, nas instituições e nas organizações; na literatura; nos avanços científicos e nos engenhos; nas obras de arte. Isto explica como ocorre que, em certo sentido, o homem possa influir sobre sua vida através de sua própria conduta e que neste processo o pensamento e os desejos conscientes são muito importantes.
O homem adquire ao nascer, por meio de herança, uma continuação biológica que é fixa e inalterável, que inclui os impulsos naturais que são característicos da espécie humana. Ademais, adquire durante sua vida uma constituição cultural que adota da sociedade por meio da comunicação e através de muitas outras formas. É esta constituição cultural que, com o passar do tempo, está sujeita às mudanças e que determina em grande medida a relação entre o indivíduo e a sociedade. A antropologia moderna nos ensinou, usando o estudo das chamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode apresentar grandes diferenças, dependendo dos padrões culturais prevalecentes e dos tipos de organização que predominam na sociedade. É nisto que podem fundar suas esperanças aqueles que se esforçam em melhorar as condições dos homens: os seres humanos não estão condenados, por sua constituição biológica, a aniquilarem-se uns aos outros, ou à mercê de um destino cruel e de castigos.
Se nos perguntamos como deveriam ser transformadas a estrutura da sociedade e a atitude do homem para fazer a vida tão satisfatória como possível, deveríamos estar conscientes de que somos incapazes de modificar certas condições. Como foi mencionado antes, a natureza biológica do homem não está, a todos efeitos práticos, sujeita à mudanças. Ademais, as condições criadas pelos desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos chegaram para ficar. Nos locais com população relativamente densa, com os produtos que são necessários para sua existência, uma profunda divisão do trabalho e um aparato altamente centralizado são absolutamente necessários. Os tempos – que em perspectivas parecem tão idílicos – em que homens ou grupos pequenos podiam ser completamente auto-suficientes se foram para sempre. É apenas um leve exagero dizer que a humanidade já constitui uma comunidade planetária de produção e consumo.
Até aqui, perfeito o diagnóstico. Vejamos as soluções propostas:
É alcançado agora o ponto aonde posso indicar brevemente o que para mim constitui a essência da crise de nosso tempo. Está relacionado com o individuo e sua relação com a sociedade. O indivíduo está mais consciente do que nunca de sua dependência da sociedade. Mas não sente esta dependência como um traço positivo, como um laço orgânico, como uma força protetora, mas uma ameaça a seus direitos naturais, ou a sua existência econômica. Por outro lado, sua posição na sociedade é tal que os impulsos egocêntricos de sua constituição são constantemente acentuados, enquanto que seus impulsos sociais, naturalmente mais débeis, se deterioram progressivamente.
Não é isso que estamos vendo no Brasil, pelo contrário: estamos vendo um aumento dos impulsos sociais (embora não com a rapidez desejável) e uma diminuição dos impulsos egocêntricos, e dentro de um contexto democrático.
Todos os seres humanos, em qualquer posição da sociedade, sofrem este deterioramento progressivo.
Vejo justamente o inverso, como disse acima. Imaginar que o egocentrismo é um impulso inevitável pode justificar o uso da força para uma revolução violenta. Eu acredito na LENTA mudança das consciências da maioria na direção de um impulso socializante, que é melhor para a sociedade como um todo.
 Involuntários prisioneiros de seu próprio egocentrismo se sentem inseguros e privados do mais inocente e simples desfrute da vida. O homem só pode encontrar o sentido da vida, curta e perigosa como é, consagrando a sociedade. Perfeito
A anarquia econômica da sociedade capitalista de hoje em dia é, em minha opinião, a verdadeira fonte dos males. Vemos diante de nós uma enorme comunidade de produtores cujos membros se esforçam incessantemente em privar o outro dos frutos de seu trabalho coletivo — não pela força mas cumprindo inteiramente as regras legalmente estabelecidas. A este respeito é importante dar-se conta de que os meios de produção — isto é: toda a capacidade produtiva necessária para produzir bens de consumo assim como bens de capital adicionais — podem ser — e em sua maioria o são efetivamente — a propriedade privada de alguns indivíduos. Sim
Para simplificar, na discussão que se segue chamarei “trabalhadores” os que participam na propriedade dos meios de produção, apesar de isto não corresponder ao uso corrente do termo. Usando os meios de produção, o trabalhador produz novos bens que transformam-se em propriedade do capitalista. O ponto essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz e o que lhe pagam, ambos medidos em termos de valor real. Em quanto o contrato do trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe está determinado não pelo valor real dos bens que produz mas por suas necessidades mais básicas e pela necessidade de força de trabalho por parte dos capitalistas em relação ao número de trabalhadores competindo por empregos. É importante entender que nem sequer na teoria o salário do trabalhador é determinado pelo valor do que produz.
Aqui entram os sindicatos e a união dos trabalhadores em geral. Além da qualificação profissional, que diminui o número de trabalhadores menos qualificados e mal remunerados e aumneta o número de trabalhadores qualificados e esclarecidos, capazes de exigir melhor remuneração ou greve.
O capital privado tende a se concentrar em poucas mãos, em parte devido à competência entre os capitalistas, e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho alentam a formação de unidades maiores de produção em detrimento das menores. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia do capital privado cujo enorme poder não pode ser controlado efetivamente nem sequer por uma sociedade política democraticamente organizada (há controvérsias. Basta ver o que vem ocorrendo hoje no Brasil). Isto é assim porque os membros dos corpos legislativos são selecionados pelos partidos políticos, em grande medida financiados ou de alguma maneira influenciados por capitalistas privados que, por todos efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura.  A consequência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses dos grupos não privilegiados da população. Verdade. Por isso devemos lutar, na minha opinião, pelo fim do financiamento de campanha por pessoas jurídicas. Sou a favor do financiamento público + por pessoas físicas. Por outra parte, nas condições atuais os capitalistas privados controlam, direta ou indiretamente, as principais fontes de informação (imprensa escrita, rádio, educação). É então extremamente difícil, e por certo impossível na maioria dos casos, que cada cidadão possa chegar às conclusões objetivas e fazer uso inteligente de seus direitos políticos. Nem tanto. Mas certamente, não justifica o controle da imprensa pelo Estado. O que viria a ocorrer é que o próprio Estado passaria a vetar matérias de oposição, como ocorre nos regimes totalitários.
A situação prevalecente em uma sociedade baseada na propriedade privada do capital está então caracterizada por dois princípios mestres: primeiro, os meios de produção são propriedade de indivíduos, e estes dispõem deles como melhor lhes parecer; segundo, o contrato de trabalho é livre. Supostamente, não existe sociedade capitalista pura, neste sentido. Em particular, deve-se assinalar que os trabalhadores, por meio de grandes e amargas lutas políticas, tem conseguido uma forma um tanto melhorada do “livre contrato de trabalho” para certas categorias de trabalhadores. Mas, tomada como um todo, a economia atual não difere muito do capitalismo “puro”.
Esta mutilação dos indivíduos é o que considero o pior mal do capitalismo. Nosso sistema educativo como um todo sofre este mal. Uma atitude exageradamente competitiva se inculca no estudante, que é treinado para adorar o êxito da aquisição como uma preparação para sua futura carreira.
Estou convencido de que há somente uma forma de eliminar estes graves malefícios: através do estabelecimento de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educacional que seja orientado para fins sociais. Em tal economia, os meios de produção são propriedade da própria sociedade e utilizados de maneira planejada. Uma economia planejada, que ajuste a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho entre todos aptos a trabalhar e garantiria os meios de vida de todos, homem, mulher e criança. A educação do indivíduo, além de promover suas próprias habilidades inatas, intentaria desenvolver em um sentido de responsabilidade por seu próximo, em lugar da glorificação do poder e do êxito em nossa sociedade atual. Aqui é que o socialismo (ou comunismo) não se deu bem nos testes de campo, ou provas práticas. Este sistema teórico se baseia na premissa de que o homem socialista é altruísta e valoriza mais o bem coletivo que o bem individual ou de seu grupo restrito (seja o indivíduo, sua família, sua categoria profissional, seu partido político. Vide o PT). Os indivíduos á frente do novo Estado socialista acabam por tentar reter privilégios para seu grupo restrito mais próximo. SEMPRE acontece isso na prática, principalmente se não houver democracia e imprensa livre para denunciar estes privilégios.
E ainda, mas não menos importante: a propriedade comum dos meios de produção pela sociedade, e a abolição da possibilidade de lucro individual, na prática se mostraram desestimulantes para um ambiente criativo e de progresso tanto material como social. Um ambiente onde não há a recompensa de retorno (pelo menos de uma parte) para o indivíduo que se supera e produz mais ou desenvolve meios e tecnologias mais criativos de produzir (a chamada “destruição criativa”, vide Bill Gates e Steve Jobs), acaba por minar o impulso criativo e o progresso tanto material quanto social. Isso explica o por que de a Alemanha Ocidental capitalista em menos de meio século passar a ter uma renda per capta 3 vezes superior à de seus irmãos orientais que seguiram pelo caminho socialista, inclusive com melhores serviços públicos para os cidadãos ocidentais. Com a queda do muro, não houve um desejo dos ocidentais de igualarem aos irmãos do leste. Foi justamente o contrário. Outro exemplo são as duas Coreias, com amplas repercussões no nível de desenvolvimento social de ambas. Aqui a diferença é muito mais gritante: A renda dos coreanos do sul é 30 (TRINTA!) vezes superior à dos coreanos do norte, que literalmente passam fome.

Sem embargo, é preciso recordar que uma economia planificada não é todavia o socialismo. Uma economia planificada como tal pode ser acompanhada pela completa escravização do indivíduo. A realização do socialismo requer a solução de alguns problemas sócio-políticos extremamente difíceis: “como é possível, considerando a muito abarcadora centralização do poder, conseguir que a burocracia não seja todo poderosa e arrogante? Como podem proteger os direitos do indivíduo e mediante ele assegurar um contrapeso democrático ao poder da burocracia?” Na prática, até agora, ninguém descobriu como. A fábula da Revolução dos Bichos mostra o que acaba ocorrendo na prática.
Ter claras as metas e problemas do socialismo é de grande importância nesta época de transição. Dado que, nas circunstâncias atuais, a discussão livre e sem travas destes problemas são um grande tabú, considero a fundação desta revista [N2] um importante serviço público.

Mais ainda: há uma contradição nesta teoria: Inicialmente, Einstein afirma “Por outro lado, sua (do indivíduo) posição na sociedade é tal que os impulsos egocêntricos de sua constituição são constantemente acentuados, enquanto que seus impulsos sociais, naturalmente mais débeis, se deterioram progressivamente.” Se ele acredita nisso, como justificar a sugestão (contraditória) de que a implantação do socialismo através de uma revolução, e não através da lenta e gradual mudança de consciência da sociedade, podem de uma hora para outra criar, como num passe de mágica, uma sociedade de indivíduos e dirigentes altruístas, mais inclinados ao social que ao individual? Mais uma vez, a experiência mostra que essa expectativa irreal e excessivamente otimista (em que Einstein, contrariando a si próprio, afirma não acreditar) não se cumpre na prática. 

sábado, 29 de junho de 2013

É só esquerda e direita?

Estava eu comendo uma fatia de torta de banana com suco de laranja ontem, em uma confeitaria da Cobal de Humaitá, no Rio, quando o diálogo entre duas senhoras ali pelos seus 50 anos, que aguardavam na fila sua vez de pagarem suas contas, começou a ficar mais exaltado e chamou minha atenção. Debatiam sobre a validade ou não do bolsa-família. Uma, aparentemente sem pretexto algum, começou a externar sua discordância em relação ao programa. A segunda, que depois se identificou como professora universitária e eleitora de carteirinha do PT, começou a argumentar a favor, sem que conseguisse, ou talvez nem pretendesse, demover a primeira de suas posições. Vendo que não chegariam a um acordo, a segunda começou a dizer de modo veemente: “A senhora é de direita, é isso que a senhora é. Direitista!” A “direitista” então saiu da confeitaria sem contra argumentar, deixando atrás de si as balconistas felicitando a professora por sua vitória (por abandono do ring) no debate relâmpago.

Nestes tempos de intenso debate político no Brasil, parece que as pessoas estão sendo classificadas de maneira simplista e maniqueísta em “de esquerda” e “de direita”.

Quem é de esquerda, na visão dos de direita, come criancinhas no café da manhã. Quem é de direita, na visão da esquerda, come o café da manhã das criancinhas.

Numa utilização equivocada deste raciocínio simplista, ser contra o vandalismo é ser de direita e ser a favor seria coisa da esquerda. Mas criticar o mensalão e querer os mensaleiros presos seria coisa da direita? Ser a favor do fim dos partidos políticos seria coisa da direita ou da esquerda? Os que lutam contra as restrições às liberdades individuais em Cuba seriam de direita? E os que são contra as privatizações seriam de esquerda? Me arrepio quando militantes do PT minimizam o mensalão tanto quando adversários do PT pedem o impeachment da Dilma. Fica claro que uma classificação apenas em esquerda ou direita não é capaz de definir uma série de posições políticas em qualquer contexto.

Existe outra dimensão além da horizontal esquerda-direita. Na vertical, somos libertários ou autoritaristas. Você pode ser tanto de direita como de esquerda e ser libertário ou autoritarista. Fidel é a esquerda autoritarista, assim como Stálin. Os militares que deram o golpe de 1964 eram de direita, mas tão autoritaristas quanto os comunistas que temiam e combatiam. Milton Friedman representa a direita simples, enquanto Margareth Thatcher seria a direita-autoritarista. Ser contra a plena liberdade da imprensa e acreditar que o mensalão foi um mal necessário não fazem de você um militante da esquerda, mas sim um militante do autoritarismo. Então, é bom não confundir uma coisa com a outra.

Existe um teste muito interessante e esclarecedor disponível no site Political Compass (link) que ajuda a definir o seu perfil político. Leva 5 minutos para ser respondido e pode ser feito em inglês ou em espanhol (para versão em espanhol clique no ícone no canto superior esquerdo da página do link). Respondi as questões e o veredito é que sou de esquerda libertária. Estou na honrosa companhia de Gandhi em minhas posições. Longe tanto de  Stálin quanto de Thatcher. Vejam meu laudo (o ponto vermelho): 


Sou mais socialista (esquerda) que liberal (direita), e mais anarquista (embaixo) que fascista (em cima), mas longe dos extremos.

Façam o teste e descubram quais são realmente suas posições políticas. Depois me digam nos comentários. talvez vocês se surpreendam com seus laudos.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Empresários e políticos: uma relação financeira

Na esteira da onda de manifestações, há uma semana houve, no bairro de São Francisco onde moro em Niterói, uma convocação para uma manifestação. Seria para a discussão de problemas específicos da localidade. Movimentos assim já acontecerem diversas vezes por aqui e têm obtido resultados práticos. Por exemplo, quando da implantação das UPPs no Rio, houve migração de bandidos para Niterói e São Gonçalo e, como consequência, os índices de criminalidade em nosso bairro haviam subido muito; assaltos a mão armada e roubo a residências tornaram-se comuns, gerando um clima de insegurança entre os moradores de um bairro até então tranquilo. Convocaram-se manifestações, que aconteceram aos domingos de manhã na esquina mais movimentada daqui, e onde todos tinham acesso ao microfone para expor sua visão dos problemas e propor soluções, que foram depois encaminhadas ao comandante do batalhão da PM da cidade. Vem dando certo. O policiamento foi reforçado, viaturas passaram a fazer rondas ostensivas dia e noite e a coisa melhorou sensivelmente.

Na mais recente manifestação, os problemas eram outros. Isoladamente, pareciam não ser grande coisa, mas o todo apontava para um vício grave, que pode ser facilmente transposto para compreender-se o que ocorre no âmbito nacional. Quais eram esses problemas?

1-    A Prefeitura, ou talvez devêssemos dizer o prefeito, tinha acabado de autorizar uma empresa privada, a Niterói Park, a explorar a cobrança de estacionamento no bairro, inclusive na Avenida Rui Barbosa, rua onde se concentra o comércio do bairro, onde estão a padaria, as farmácias, a loja de ferragem e os pequenos supermercados onde os moradores locais se abastecem. Curioso é que o atual prefeito, Rodrigo Neves, antes de assumir havia se posicionado contra a ampliação do estacionamento pago para o bairro (veja aqui http://www.ofluminense.com.br/editorias/cidades/rodrigo-neves-vai-vetar-reajuste-de-rotativo). Mudou de ideia por que?

2-    Na encosta do Parque da Cidade, a área de proteção ambiental que é um dos limites do bairro, começaram obras de um pequeno condomínio de luxo, com abertura de uma rua onde deverão ser construídas algumas residências de alto padrão.

3-    Empresários da construção civil vêm adquirindo casas no miolo do bairro e pondo-as abaixo, preparando-se para a construção de prédios de apartamentos. O que não seria problema, não fosse o fato de que o gabarito local limita a altura dos imóveis a, no máximo, dois andares. Já ocorreu uma intervenção do Ministério Público para interromper obras já iniciadas da construção de um prédio na Rua Coronel João Brandão.

Todas estas ocorrências, que contrariam os interesses dos moradores do bairro, sugerem uma coisa gravíssima: a concessão de benefícios e afrouxamento de regras para empresários que financiaram as campanhas do atual prefeito e alguns vereadores, ou então corrupção direta e simples. A prostituição entre o poder público e o empresariado. Dane-se o povo. Estes fatos dão munição à ideia do voto distrital e da candidatura independente.

Conto essa história para ajudar no entendimento de como funcionam as coisas, começando nos bairros, nos municípios, chegando aos estados e à República. Nojento.

Por aqui, já fizemos passeatas, um abaixo assinado e estamos aguardando o desenrolar dos fatos para novas manifestações.

domingo, 23 de junho de 2013

Da utopia à realidade

Não sou de acreditar em tudo que leio na internet ou no FB. Custei a me manifestar na questão da "importação" de "médicos" "estrangeiros" pelo governo do PT, tudo assim entre aspas mesmo: não é importação e nem são cubanos. São brasileiros convocados entre militantes do PT, em especial no MST; e não são realmente médicos. Leia este link e entenda.

"Todos os bichos são iguais. Mas alguns são mais iguais do que os outros."
Uma coisa que me foge inteiramente ao entendimento, apesar de meus melhores esforços em tentar compreender outros pontos de vista, é o porquê de tantos brasileiros bem informados e aparentemente inteligentes, inclusive amigos e parentes meus, enxergarem em Cuba qualquer coisa, isso mesmo, qualquer coisa que possa servir de modelo para o Brasil. Concluo que só pode ser uma mistura de desinformação, burrice e ingenuidade. Ou má fé pura e simples. Se é para invejar algum país socialista, eu admito que invejo a Suécia ou a Dinamarca. Mas não Cuba.

Talvez eu mudasse de ideia se alguém fosse capaz de me mostrar uma única história de socialismo totalitário bem sucedido na face do planeta. E não me venham dizer que não dá certo porque a Cuca ou o Bicho Papão Capitalistas não deixam. Se o socialismo totalitário fosse viável, ele já teria inviabilizado o capitalismo, e não o inverso. Na verdade, admito, o comunismo seria excelente se acontecesse em um planeta habitado por seres de espírito muito mais elevado e solidário do que o dos seres humanos de carne e osso. Mas o homem é imperfeito e, como consequência, os ditadores são imperfeitos, os políticos são  imperfeitos e todas as ditaduras são perniciosas. Todos os fãs de Cuba, de Che, de Fidel e do comunismo (não me venham com eufemismos: Cuba é uma ditadura comunista) deveriam perder meia hora e ler aquele livrinho que todos já ouviram falar, mas parece que quase ninguém leu: a "Revolução dos Bichos", de Orwell.

Países só andam para a frente quando seus habitantes são incentivados a, de maneira livre, ética e legal, empreender, progredir, se aperfeiçoar e usufruir da riqueza gerada por  seus próprios esforços. E depois, sob a supervisão de um Estado democrático, contribuir com parte de seus ganhos para o bem estar e a proteção de todos, inclusive provendo condições dignas para os que não são tão bem sucedidos. A lei e o Estado devem tanto permitir que todo e qualquer cidadão tenha a possibilidade de enriquecer quanto preservar a propriedade daqueles que obtêm riqueza. Nem sempre este equilíbrio é fácil. Já a expropriação dos meios de produção por parte do Estado, tanto quanto um Estado que existe apenas para proteger o monopólio das fontes de riqueza para uns poucos, nos dois extremos do espectro esquerda-direita, estão fadados a longo prazo à pobreza.

Quanto ao que vem ocorrendo de forma tão vigorosa no Brasil nesta última semana, não acredito que estejamos presenciando um renascer, uma aurora de uma nova era para nosso país. Eu, em pouco mais de meio século, já presenciei a revolução de 64, o milagre brasileiro, a anistia, a volta do irmão do Henfil, o "Diretas Já", a eleição de Tancredo, a posse de Lula, o "nunca dantes nesse país". Todos eram o início de uma nova era. Os jovens podem (e devem!) ser idealistas e acreditar na utopia. Faz parte. Eu estou ficando velho. Sei que o caminho é longo, cheio de desvios e armadilhas, e que nem sempre se anda para frente. Quero crer, no melhor de minhas esperanças que, se as coisas não desandarem, conseguiremos avançar alguns poucos passos mais na direção do país que sonhamos e nem sei se merecemos. Mas aí me lembro que o José Dirceu surgiu como um desse jovens idealistas que hoje inflamam as nossos melhores sonhos e quase perco as esperanças. Quase.

Se quiserem, tem a versão cinematográfica do livro de Orwell.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Carpas 2

(Koi fish watercolor acquarella) 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

"Upa, Nenê"

"Day after", de Jan Cleijne


Achei oportuno republicar este conto, uma fantasia que escrevi em novembro de 2011, no auge do movimento Occupy Wall Street. Não que eu acredite que vá ser assim, pelo menos por enquanto. Na verdade, desejo muito um amanhã melhor.

Só me resta essa bateria, então vou resumir o que vi. Cacoete do repórter que fui. Não sei por quanto tempo vou continuar tendo sorte. Os cães estão cada vez mais ferozes e atrevidos. Culpa da fome, acredito. Agora, no inverno, ficam piores. Mas ainda tenho esses mapas do metrô, que me permitem me deslocar pela ilha, pelos túneis que não foram inundados.

Quando eles ocuparam a praça, ninguém deu muita importância. Desocupados, disseram. Bichos-grilo pacifistas, sem-tetos e incompetentes para arrumar trabalho. Pegaram empréstimos para comprar mansões e não puderam arcar com as hipotecas. Vão cansar quando chegar o inverno. Quando chegou o inverno, eles realmente cansaram. De esperar. Um barril de pólvora esperando um fósforo. Aí, aquele negro cego, Josiah Baker, apareceu morto com um tiro na praça. A polícia apresentou um certo Feliciano Martinez como culpado, mas antes que ele pudesse ser ouvido, foi morto por um tiro a queima roupa. Uma tal de Felicity McMurdo, a loura gorda. Garçonete desempregada. Pai dos filhos dela, nunca deu pensão, justificou-se. Era o fósforo. Felicity e Feliciano: os branquelos de um lado, os latinos do outro. Houve gritaria dos moderados, mas não queriam moderação. Só se deram conta do tamanho da coisa quando alguns financistas decapitados foram jogados da ponte do Brooklyn. As cabeças ficaram meses espetadas nas grades da Trinity Church. Depois, os cachorros roeram.

Ela ainda estava lá, na época, a ponte. Upa, nenê. Na primavera de 2031 a esquadra brasileira, ancorada ao largo da foz do Hudson, disparou uns mísseis que a puseram abaixo. Era bonita. Mas os brasileiros não conseguiram resgatar o imperador. Barack III desapareceu sem deixar vestígio. Dizem que existe uma seita no Hawaii que aguarda o seu retorno. Caralhoporra. Sei não.

A China protestou. Com a envergadura moral de serem a maior democracia do mundo, não gostaram do que viram. Boicotaram a gente. Economicamente, quero dizer. Foi pior. A Segunda Guerra de Secessão, ao contrário da primeira, foi vitoriosa, e quiseram restaurar a escravidão. O último presidente, Gonzáles Urrútia, fugiu ninguém sabe para onde, Cuba, talvez. Latinos, negros, chinas, go home, eles disseram. Mas o Nordeste já estava tão decadente que eles nem se deram o trabalho de manter a ocupação. Abriram as portas do Zôo e partiram. Quem acabou jantando os antílopes e as girafas foram os lulus abandonados pelas madames. Upa, caralho.

Acabamos divididos em quatro. A Federação do Sul, a Federação do Sol do Pacífico, do jogo e da maconha, Os Estados Unidos da Chuva e os Territórios Selvagens do Nordeste, que não têm governo central, apesar de dois séculos de brigas e escaramuças. Ninguém quer nem invadir essa merda. Upa, upa.

Os do Sul reativaram os mísseis nucleares. A questão Israel – Palestina foi resolvida. Lá só tem árabe e judeu, os do Sul se deram conta. Bastou um míssel. Hoje não existe nem Israel nem Palestina. Nem Santo Sepulcro. Mas já construíram outro em Orlando. Cem paus pra entrar, duzentos para beijar a cruz. Barato, eu acho. Agora os mísseis estão apontados para o Brasil, a China e a Índia.

Estou ouvindo uns latidos vindos da direção da estação Canal Street. Upa, nenê, caralhoporra, upa upa. Continuo depois.

sábado, 15 de junho de 2013

Um pouco de lenha para manter aceso o fogo do debate

Os avanços em uma sociedade muitas vezes só ocorrem
mediante rupturas mais ou menos traumáticas.
Estamos vivendo um momento que pode vir a se tornar um marco na história do Brasil. Ou não. Tenho dedicado muitas horas nos últimos dias lendo jornais, assistindo vídeos e ouvindo ecos à esquerda e à direita sobre as recentes manifestações deflagradas a partir do anúncio do aumento do preço das passagens de ônibus no Rio e em São Paulo. A princípio, confesso um pouco constrangido, foi-me difícil entender o porquê de tanto barulho por aparentemente tão pouco: jovens, aparentemente universitários de classe média protestando contra um reajuste abaixo do índice de inflação no período.

Logo pareceu claro que o reajuste foi a gota d’água que fez transbordar o pote, a faísca que fez incendiar a palha seca. Se é só isso, fogo de palha, o tempo vai dizer. Eu, particularmente, torço que não.

Não vejo uma manifestação de arruaceiros, muito pelo contrário. Chama muito mais a atenção a disposição da grande maioria dos manifestantes em conduzir os protestos de forma pacífica, embora às vezes a coisa escape do controle, muito mais uma exceção do que a regra. Já a resposta da polícia, que tem o legítimo dever de proteger todos os cidadãos e o patrimônio público e privado, não raro tem agido com violência desproporcional e algumas vezes gratuita. É no mínimo curioso ver o atual partido governista na outra extremidade do cassetete. E é comovente ver os jovens deixando de preocupar-se apenas com suas próprias carreiras para pensarem-se também como atores nos rumos da sociedade brasileira.

Voltando um pouco no tempo, lembrei-me da posse do ex-presidente Lula há dez anos. Confesso meu ceticismo na ocasião, diante daquelas cenas de cores bíblicas que remetiam à entrada de Jesus Cristo em Jerusalém. Estou ficando velho, e só acredito em mudanças depois que elas acontecem. Mas foi comovente ver o quanto de esperança os brasileiros, em especial os mais pobres, depositavam na ascensão ao poder de um homem de origem humilde, nordestino, de pouca cultura, um homem comum do povo, enfim. Alguém que, como nenhum outro antes na história desse país (não resisti) saberia como quebrar o nosso triste histórico de corrupção e incapacidade de governar de forma ética e voltada para os interesses mais amplos do povo brasileiro.

A expansão do programa Bolsa Escola, rebatizado de Bolsa Família, visava ser um paliativo temporário para aliviar a urgência da fome e da miséria, enquanto o Brasil não fosse capaz de atrelar todos ao processo de crescimento e inclusão. A conjuntura econômica global era favorável, a inflação já havia sido debelada em governos anteriores e a estrada parecia plana e asfaltada para um futuro de paz e prosperidade generalizada. Tudo começava bem.

Passados dez anos, deveríamos estar celebrando as copas e as olimpíadas como o coroamento de uma arrancada que deveria ter colocado o país num círculo virtuoso, com assistência médica e educação públicas de qualidade crescente, violência declinante, transporte público eficiente, economia estável e instituições políticas sólidas e respeitáveis, e, quem sabe, corrupção endêmica debelada ou minimizada. Mas não é este o clima que o brasileiro percebe estar respirando hoje. O que era um sentimento vago de desconforto, encontrou nesta “Revolta dos Vinte Centavos” uma forma de se tornar consciente e extravasar para as ruas. Não vejo outra explicação para o que estamos assistindo nos últimos dias.

O Estado é uma entidade a que cada indivíduo aceita ceder uma parte de seus rendimentos e de suas liberdades em troca de uma contrapartida a ser fornecida ao povo: ordem, obrigação de cumprimento de leis e contratos, garantia  de liberdades individuais (dentro de determinados limites decididos democraticamente e impostos pelo Estado), serviços públicos de qualidade e manutenção da segurança, tanto interna como externa. Foi-se o tempo da crença no Direito Divino dos governantes, que sobrevive ainda no Irã e na Coréia do Norte, evocando vagos deuses celestiais ou terrenos. Por exemplo, “A Revolução”, seja ela qual for, que continua a ser amplamente usada como uma entidade que tudo justifica por ditaduras de ambos os lados do espectro.

A certa altura o povo dá-se conta de que vem cedendo muito e recebendo pouco. Aí, o caldo entorna.

A princípio, deu-me a impressão de que faltava aos manifestantes uma consciência mais aguda de contra o que estavam protestando, e talvez falte mesmo. Mas há um sentimento legítimo e generalizado de que as coisas poderiam e deveriam ser diferentes. Senão vejamos: 

Começamos há um ano a perceber de forma mais aguda que os preços estão subindo mais do que admitem os índices de inflação. Este é um incômodo democrático, que atinge tanto o rico que quer trocar seu carro de luxo como a dona de casa pobre que tenta colocar alimentos na mesa da família. Já as causas da inflação são de entendimento menos generalizado. Os gastos públicos explodiram, voltados menos para obras de infraestrutura que permitam ao país crescer a longo prazo e mais para o inchaço da máquina do Estado: temos hoje, por enquanto, 40 ministérios. Ao invés de economizar, o governo decidiu-se por métodos heterodoxos para tentar manter o crescimento: ampliar o consumo e o endividamento das famílias, através de reduções pontuais de impostos em setores específicos como eletrodomésticos e automóveis. Mas o preço dos alimentos disparou e a dona de casa está reclamando. E o PIBinho teimando em não crescer.

Como já foi dito, havia a esperança de que os preparativos para os grandes eventos esportivos não se confirmassem apenas como uma oportunidade para obras faraônicas e superfaturadas a encher o bolso de políticos corruptos e empreiteiros; que houvesse investimentos maciços nos transportes públicos, como ampliação de avenidas, novas linhas de metrôs e BRTs, hospitais e escolas. Enquanto as obras para as olimpíadas de Londres acabaram custando menos que o estimado, por aqui as obras apenas com os estádios já custaram vários bilhões de reais acima do previsto, sem que as obras de entorno, como ampliação dos acessos e estacionamentos, tenham atingido metade do volume previsto. Os estádios agora são privados, o preço dos ingressos estão mais caros que os europeus e só pode comer ou beber nos estádios quem se sujeita a pagar R$ 8,00 por um cachorro quente ou R$ 7,00 por um copo de mate. Levar biscoito de casa é proibido. 

Na área institucional, tivemos grandes alentos com a aprovação da Lei da Ficha Limpa (por sinal, uma iniciativa popular, e não do Estado) e da condenação dos envolvidos com o mensalão. Mas o fato de estarmos ainda por ver pelo menos um dos condenados indo de camburão para dentro de um presídio vai minando o entusiasmo inicial e faz recrudescer o sentimento geral de impunidade. Mais ainda, e isso é altamente saudável, deitou-se por terra a crença ingênua do eleitor de que um partido ou uma pessoa possam estar fora e acima da máxima de que o poder corrompe e corrompe sempre. Pior ainda, a reação do partido governista de enviar para o Congresso as Propostas de Emenda Constitucionais (PECs) 33 e 37, que retiram o poder de investigação do Ministério Público e submetem as decisões do Supremo Tribunal de Justiça à ratificação pelo Congresso ou por referendo popular soou como revanche contra as duas instituições que levaram avante a investigação e julgamento dos mensaleiros.

Ainda há pouco, na cobertura televisiva da abertura da Copa das Confederações, a repórter Sandra Anemberg parecia desconfortável tendo que focar a alegria de nosso povo pacífico e ordeiro vestindo a camisa canarinho a caminho do Estádio Elefante Branco Nacional Mané Garrincha, enquanto dois mil manifestantes que protestavam contra o estouro de mais de 86% nos gastos com sua construção. Dinheiro que deveria ter sido utilizado para fins mais práticos. Logo depois, os manifestantes eram impedidos de se aproximar do estádio às custas de atropelamentos por soldados de moto, tiros de balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral. A Globo mostrando tudo.

Falando nisso: uma parcela dos brasileiros tem se posicionado contra a grande imprensa, que estaria privilegiando as cenas de vandalismo dos manifestantes em detrimento das cenas de violência da polícia. Não é o que eu tenho visto. A Rede Globo exibiu em horário nobre diversas cenas de violência policial que eu havia visto pouco antes na internet. Acho fundamental alertar para o perigo que é desejar a intervenção nos meios de comunicação. O Equador acaba de aprovar uma lei de mordaça contra a imprensa, na Venezuela todos os jornais de oposição foram fechados ou encampados e, na Argentina, Cristina Kirchner luta contra o Judiciário para tentar fechar o jornal El Clarín, que insiste em denunciar os desmandos e a incompetência da presidente portenha. Por nossas bandas alguns congressistas ligados ao governo e condenados do mensalão tentaram impor um tal de “Conselho Federal de Imprensa”, mas a presidente contrariou-os posicionando-se a favor da liberdade de imprensa e o assunto, pelo menos por ora, foi arquivado. Toda imprensa vive de seus grandes anunciantes mais do que da venda de jornais, isto é fato. Em tese o interesse dos anunciantes poderia ter influência no teor jornalístico da imprensa. Mas uma imprensa imperfeita é melhor que nenhuma imprensa ou uma imprensa tutelada pelo Estado. Então, deve-se estar atento: quem se beneficia desqualificando-se a imprensa?


O brasileiro médio, apesar de ter conseguido equipar sua casinha com eletrodomésticos e ter no bolso um celular pré-pago, sua diariamente por várias horas para ir e voltar ao trabalho, sonha um dia conseguir pagar um plano de saúde e escola particular para seus filhos para não mais depender dos serviços públicos, torce para que eles não se entreguem ao vício do crack, se angustia com a alta dos alimentos e teme ser assaltado e morto por outro brasileiro com menos esperanças do que ele. Vê traída a confiança que depositou nos políticos e começa a entender que, mais do que delegar e confiar, ele mesmo precisa tomar as rédeas do processo se quiser ver um futuro melhor para si e seus filhos e netos. Então talvez seja a hora de nosso povo tão pacífico e ordeiro começar a questionar essas características tão convenientes a quem desmanda. É esperar para ver.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Carpas I

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