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segunda-feira, 17 de junho de 2013

"Upa, Nenê"

"Day after", de Jan Cleijne


Achei oportuno republicar este conto, uma fantasia que escrevi em novembro de 2011, no auge do movimento Occupy Wall Street. Não que eu acredite que vá ser assim, pelo menos por enquanto. Na verdade, desejo muito um amanhã melhor.

Só me resta essa bateria, então vou resumir o que vi. Cacoete do repórter que fui. Não sei por quanto tempo vou continuar tendo sorte. Os cães estão cada vez mais ferozes e atrevidos. Culpa da fome, acredito. Agora, no inverno, ficam piores. Mas ainda tenho esses mapas do metrô, que me permitem me deslocar pela ilha, pelos túneis que não foram inundados.

Quando eles ocuparam a praça, ninguém deu muita importância. Desocupados, disseram. Bichos-grilo pacifistas, sem-tetos e incompetentes para arrumar trabalho. Pegaram empréstimos para comprar mansões e não puderam arcar com as hipotecas. Vão cansar quando chegar o inverno. Quando chegou o inverno, eles realmente cansaram. De esperar. Um barril de pólvora esperando um fósforo. Aí, aquele negro cego, Josiah Baker, apareceu morto com um tiro na praça. A polícia apresentou um certo Feliciano Martinez como culpado, mas antes que ele pudesse ser ouvido, foi morto por um tiro a queima roupa. Uma tal de Felicity McMurdo, a loura gorda. Garçonete desempregada. Pai dos filhos dela, nunca deu pensão, justificou-se. Era o fósforo. Felicity e Feliciano: os branquelos de um lado, os latinos do outro. Houve gritaria dos moderados, mas não queriam moderação. Só se deram conta do tamanho da coisa quando alguns financistas decapitados foram jogados da ponte do Brooklyn. As cabeças ficaram meses espetadas nas grades da Trinity Church. Depois, os cachorros roeram.

Ela ainda estava lá, na época, a ponte. Upa, nenê. Na primavera de 2031 a esquadra brasileira, ancorada ao largo da foz do Hudson, disparou uns mísseis que a puseram abaixo. Era bonita. Mas os brasileiros não conseguiram resgatar o imperador. Barack III desapareceu sem deixar vestígio. Dizem que existe uma seita no Hawaii que aguarda o seu retorno. Caralhoporra. Sei não.

A China protestou. Com a envergadura moral de serem a maior democracia do mundo, não gostaram do que viram. Boicotaram a gente. Economicamente, quero dizer. Foi pior. A Segunda Guerra de Secessão, ao contrário da primeira, foi vitoriosa, e quiseram restaurar a escravidão. O último presidente, Gonzáles Urrútia, fugiu ninguém sabe para onde, Cuba, talvez. Latinos, negros, chinas, go home, eles disseram. Mas o Nordeste já estava tão decadente que eles nem se deram o trabalho de manter a ocupação. Abriram as portas do Zôo e partiram. Quem acabou jantando os antílopes e as girafas foram os lulus abandonados pelas madames. Upa, caralho.

Acabamos divididos em quatro. A Federação do Sul, a Federação do Sol do Pacífico, do jogo e da maconha, Os Estados Unidos da Chuva e os Territórios Selvagens do Nordeste, que não têm governo central, apesar de dois séculos de brigas e escaramuças. Ninguém quer nem invadir essa merda. Upa, upa.

Os do Sul reativaram os mísseis nucleares. A questão Israel – Palestina foi resolvida. Lá só tem árabe e judeu, os do Sul se deram conta. Bastou um míssel. Hoje não existe nem Israel nem Palestina. Nem Santo Sepulcro. Mas já construíram outro em Orlando. Cem paus pra entrar, duzentos para beijar a cruz. Barato, eu acho. Agora os mísseis estão apontados para o Brasil, a China e a Índia.

Estou ouvindo uns latidos vindos da direção da estação Canal Street. Upa, nenê, caralhoporra, upa upa. Continuo depois.

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