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quarta-feira, 11 de maio de 2011

Etevaldo

Tavinho chegou um pouco atrasado, trazendo alguém que a turma do chope das quartas feiras não conhecia.

“E aí, galera! Tudo em cima?”

“Fala, Tavinho! Apresenta o amigo aí pra gente.”

O amigo do Tavinho vestia-se de maneira sóbria, uma figura alta e forte, mas tinha um quê de desengonçado e desconfortável, como quem anda com sapato apertado.

“Gente, esse aqui é o Etevaldo”, apresentou Tavinho enquanto puxava mais duas cadeiras para a mesa. “Na verdade o nome dele é outro, difícil de pronunciar, mas podem chamá-lo de Etevaldo.”

“E então, Etevaldo? Estrangeiro?”, atalhou o Gonzaga.

“Mais ou menos.” Etevaldo tinha uma voz muito peculiar e um sotaque carregado que mais tarde alguém definiu como parecendo da Provence, mas com tempero sergipano.

“Etevaldo veio de fora, num programa de intercâmbio, para conhecer nossos costumes. Vai ficar hospedado lá em casa por uns tempos.”

“Intercâmbio?” perguntou o Afonsinho, levantando uma das sobrancelhas enquanto limpava a espuma de chope do bigodão à mexicana.

“É, ele veio para cá e, na troca, eu despachei minha sogra. Mas é só por uns tempos. Daqui a umas semanas ele volta para a terra dele.”

“Mas de onde você vem, Etevaldo?”

“De Grzmaarbz, que vocês aqui na Terra chamam de planeta XZ14-Y da estrela alfa de Antares.”

“Caramba, longe pacas!”

“E o que você está achando aqui da Terra, Tê?”, perguntou já íntimo o Gonzaga.

“Interessante”

“Muito diferente lá do seu planeta?”

“A paisagem sim, mas o resto nem tanto. A gente vai se adaptando.”

Houve um breve silêncio, e uma certa inquietação se infiltrou no clima. O Almeida, que até então permanecera calado e afundado em sua cadeira, debruçou-se sobre a mesa, coçou a barba e, com a ponta do indicador, empurrou os óculos para mais perto dos olhos. Quando o Almeida fazia isso, o pessoal prestava atenção, pois vinha sempre coisa inteligente:

“A sua civilização deve ser bem mais desenvolvida tecnologicamente que a nossa, se não você não estaria aqui, certo?”

“Certíssimo!” Etevaldo tinha acabado de aprender a usar superlativos e não perdia chance de treinar.

“Deve ser uma civilização bem mais antiga que a nossa também, né não?”

“Antiqüíssima!”

“Então, Etevaldo, eu tenho uma curiosidade grande. Me diz aí: lá no seu planeta o bem venceu o mal? Na sua civilização a solidariedade e a compaixão triunfaram sobre o egoísmo individualista? A verdade e a sinceridade prevalecem sobre a mentira e a dissimulação? Ou vocês nunca sofreram essas mazelas?”

Todos os olhos se voltaram para Etevaldo. Houve uma breve pausa, interrompida quando ele emitiu um som que lembrava um pigarro:

“Bem”, e ele piscou duas vezes. “Tem havido progressos. A nossa Assembléia recentemente instalou uma Comissão de Inquérito, e o nosso equivalente do Ministério Público tem feito diversas denúncias.”

Seguiu-se um silêncio incômodo, mas o Afonsinho, sempre ele, aliviou o ambiente. “Ô Carlinhos”, gritou acenando com o indicador levantado, “Traz mais uma rodada pra gente e pro nosso camaradinha aqui.”

Um comentário:

  1. Querido blogueiro, na primeira vez que li este post, confesso que não gostei! Até comentei isso com sua senhora, disse a ela que ia relê-lo para tentar identificar exatamente o motivo pelo qual não havia gostado especificamente dele (afinal, esse sentimento foi inédito) e que ia deixar um comentário aqui, assim que conseguisse ter clareza da sensação causada a mim. Sempre soube que não tinha nada a ver com a sua forma de escrita, mas o Etevaldo, em si, não me agradou!
    Hj, como um clarão, assim do nada, veio a razão para o meu descontentamento (até comentei com a sua senhora): sabe aquela ilusãozinha de que, em algum lugar, existe uma sociedade que funciona baseada em valores realmente fundamentais, ou seja, citando o Almeida, uma civilização na qual "a verdade e a sinceridade prevalecem sobre a mentira e a dissimulação"? Pois é... O Etevaldo acabou com esta minha faísca de esperança!!!! Foi isso!!! E, depois, o Afonsinho ainda pediu uma gelada pra ele? Ora, bolas!
    Um abraço, Ralph! Continuo me divertindo por aqui...

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