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domingo, 24 de abril de 2011

Uma Carta Para Você

Meu querido amigo, minha querida amiga:

Senti saudades suas e resolvi lhe escrever. Lembra-se de quando tínhamos entre quinze e vinte anos? Meus avós moravam em Nova Friburgo e era para lá que eu ia nas férias, tanto nas de inverno, como nas de verão. As minhas lembranças de adolescência estão quase todas associadas àquela cidade, onde fiz muitas amizades, algumas perdurando até hoje. Lá tinha os amigos residentes, os friburguenses de tempo integral, e amigos veranistas, os friburguenses part time. Estes moravam no Rio, outros em São Paulo ou ainda em Brasília e voltavam para suas cidades ao fim das férias. Nos longos meses em que ficávamos distantes, a saudade era grande, o interurbano caro e a internet e o e mail estavam ainda por ser inventados. Faz tão pouco tempo, uns trinta e poucos anos, e já é difícil imaginar a vida assim, tão desconectada.

A solução eram as cartas. Papel de carta, com ou sem perfume, alguns decorados, que as meninas colecionavam, caligrafias, envelopes, selos, filas na agência dos Correios e a ansiosa espera pelo carteiro. Quem viveu aquela época sabe bem o que significa a letra de “Mr Postman”, que me vem sempre à memória na voz de Karen Carpenter. Cada passagem em branco do carteiro era uma decepção e cada envelope recebido fazia brotar um sorriso e causava taquicardia. Ainda guardo umas duzentas cartas daqueles tempos em velhas caixas de sapato, talvez algumas suas. Revisitá-las no passado já me fez viver uma injusta decepção ao descobrir apenas bobagens adolescentes onde eu imaginava haver filosofia, bom português e revelações psicológicas. Visitas posteriores,  com olhar mais lírico e menos crítico, me encheram de emoção: já fomos tão adolescentes como nossos filhos são hoje. As mesmas inseguranças, as mesmas paixões intensas (a maioria delas não correspondida), as mesmas invejas, dores de cotovelo, planos para a vida adulta. Nossa perspectiva ingênua ou, às vezes, precocemente lúcida de ver o mundo.  Colocávamos no papel nossas almas jovens, otimistas, ansiosas e, muitas vezes, perplexas.

Hoje, em tempos de e-mails, MSN, torpedos, Tweeter, Facebook, Orkut e smartphones que nos mantêm conectados ininterruptamente, o carteiro traz apenas contas a pagar e propaganda. Nunca foi tão fácil alcançar o outro. Meus filhos, até recentemente, mal chegavam em casa corriam para abrir o MSN. Hoje estão conectados onde quer que estejam via celulares com acesso à Internet. Mantêm contato permanente com seus namorados e amigos, reais ou virtuais,  e a conta de telefone agradece o refresco. Tenho meu perfil em um site de relacionamento, mas vejo pouca vantagem nisso. Para os amigos próximos, prefiro ainda o telefone ou o contato cara a cara, se possível em torno de uma mesa, bebericando um café, um chope ou uma garrafa de vinho. Para os distantes, uso o Outlook, essa ferramenta já meio velhinha e sujeita a todo tipo de mau uso. Não vou falar aqui nem de spams nem de correntes, que nunca repasso. Se metade das desgraças que ameaçam cair sobre quem interrompe correntes fosse real, eu e meus entes queridos já teríamos morrido muitas mortes horríveis e eu teria ido à falência dezenas de vezes. Na verdade, quero apenas me ater aqui ao uso que hoje quase todos fazem do e-mail.

Amigo, amiga, pelamordedeus! Não, eu não quero receber nada .pps, aquelas telas bonitinhas com fotos de por do sol, abrindo letrinha por letrinha mensagens edificantes e bem intencionadas ao som de Richard Clayderman. Devem ser criadas e enviadas por quem tem muito tempo livre. Sinto informá-los: deleto todas sem abrir. Também não me mandem denúncias sobre como os norte-americanos já consideram a intervenção militar na Amazônia. Piadas de loura, de bêbado e de português, eu prefiro ouvir de vocês no bar. Piadas grosseiras sobre o presidente da vez ou denúncias sobre o lado podre da oposição, nem no bar, por favor. Alarmes sobre o último golpe do perfume no estacionamento do shopping, sobre roubo de rins de pobres desavisados, sobre o mais recente vírus solto na rede, golpes via celular, códigos mágicos que impedem roubo de senhas, etc, etc, etc, por favor: me poupem, não quero saber de nada disso. Quero sim, saber notícias suas. Pode até me repassar um e-mail que você achou bacana, mas diga-me o que você achou, o que aquilo fez você pensar, fez você sentir. Nada de “D +”, de “Lindooooo” de rsrsrsrsrs ou kkkkkkkkk. Quero saber de você! Duas linhas bastam. Quando receber um e-mail seu, quero ter a mesma sensação que sentia quando recebia aquelas cartas em papel de verdade na adolescência, com ou sem perfume, com ou sem selo. Mande fotos suas e de seus filhos, de seu marido, de sua namorada. Conte-me das férias, dos filhos, do trabalho, dos seus medos, das suas decepções e esperanças, de seus planos e crenças. Comente o que você achou daquele assunto que está na mídia, ao invés de repassar a opinião dos outros. Não me mande crônicas falsas do Jabor nem contos falsos do Veríssimo. Quero as suas crônicas e os seus contos. Eu quero você. Lhe espero.

De seu amigo saudoso

Ralph

5 comentários:

  1. Integralmente de acordo!
    O tempo das cartas se foi: aceitemos! Mas, a sua substituição pelos e-mails com correntes (anunciando fins trágicos para aqueles que as quebram - assim como eu), com arquivos .pps, com vídeozinhos .wmv etc é o prenúncio de péssimos dias...
    Adorei a crônica! E, mais ainda, a sua mensagem!

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  2. Positivo e operante!

    Vc escreveu tudo que sinto a respeito de ppt e e-mails em vão.

    Vou divulgar.

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  3. Parabén pelo belíssimo texto. Há tempos não leio algo tão bem escrito e tão verdadeiro. Concordamos em todos os pontos. Grande abraço, continue a nos brindar com esses textos.
    Gil Ferreira

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  4. Penso que vcê escreveu esse texto pra mim.
    Já me perguntei inúmeras vezes por que repasso estes textos que tbém recebo,prometo nunca mais fazer,mas...
    Acredito que por conta da minha grande dificuldade com a rede inicialmente e por ter sido durante anos a fio,uma completa analfabeta virtual,quando final/te dominei a máquina,fico empolgada em fazer contatos,em contar o que de engraçado,interessante ou até algumas vezes concordo exdrúxulo recebi por aqui.
    Mas,concordo com vcê inteiramente que precisamos e devemos fazer um melhor uso desse instrumento fantástico que é a rede e deixarmos de nos esconder atrás dela.Que possamos encontrar mais e mais com nossos amigos,ao vivo e com mtas cores enfeitando esses nossos encontros e que possamos mais dar a cara pra bater,sem medo de ser feliz...
    Muito obrigada pelo toque.

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  5. Ralph, que delícia ler seu texto.
    Esta semana entrei em contato com cartinhas e cartões de nossa epoca...quanta delicadeza e desejos bons!
    Um beijo e parabéns pelo blog.
    Leninha Caldas

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