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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Joaquín Sorolla

Retornávamos, o mestre e eu, pela trilha que serpenteia de vertente em vertente das colinas de Peñalara, cada um carregando sua caixa de pintura. Fixado por fora de cada caixa, um apunte a óleo, fruto ainda fresco do trabalho da manhã. Clotilde e Concepción, alguns passos à frente, carregam o cesto de vime coberto com um xale verde bordado, contendo os restos do almoço: queijos, frutas frescas e secas, pão e duas garrafas de vinho tinto que esvaziáramos à sombra de uma oliveira.

O sol forte castiga a relva curta e seca naquele fim de verão, ofuscando a vista e fazendo-nos cerrar os olhos. Então, vindas do norte, lufadas de vento enfunam as saias brancas das mulheres, quase arrancam nossas boinas e levantam a poeira da trilha, exigindo que apertemos ainda mais os olhos. O vento cala os poucos pássaros e domina todos os sentidos. Primeiro quente e seco, depois fresco e úmido, prenunciando a tempestade a caminho.

O mestre então toca meu ombro, como quem diz “acorde!”, mas poderia também significar “sonhe!”. Volto-me para o norte, olhos quase fechados, e vejo um mar de sonho. Os planos de cor se dividem por linhas quase paralelas e horizontais: a relva seca é a praia, as colinas mais e menos distantes se tornam ondas do mar, a água em movimento, subindo e descendo com as sombras das nuvens que avançam pelos vales em nossa direção. A montanha distante que recortava o horizonte vê-se encoberta por vagas de violetas, azuis e cinzas vindas do mar além, como se uma extensão deste avançasse terra adentro.

O mestre então se senta no chão, abre sua caixa e, em vinte minutos, captura em um novo apunte o vento, a água, o sol, o mar, a praia, a relva, a vida toda em movimento. Levanta-se. Em seus olhos sombreados pela pala da boina e no sorriso quase oculto pela barba, vejo um mago satisfeito com seu truque. Apertamos o passo e alcançamos a carroça junto com as primeiras gotas de chuva. Os charutos terão que esperar.

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