Aqui compartilho contos, crônicas, poesia, fotos e artes em geral. Escrevo o que penso, e quero saber o que você pensa também. Comentários são benvindos! (comente como ANÔNIMO e assine no fim do comentário). No "follow by E mail" você pode se cadastrar para ser avisado sempre que pintar novidade no blog.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Irrelevâncias

O pequeno grupo de homo sapiens, no alto da colina, observa o rio mais abaixo, que desce a montanha alimentado pelo degelo naquele início da primavera. A cena se dá cerca de trinta mil anos atrás. Todos os olhos se dirigem ao macho líder daqueles quinze ou vinte seres humanos errantes nas planícies geladas da Europa, durante a última era glacial. É preciso decidir rápido. Parece haver mais caça na margem oposta do rio, porém, a correnteza talvez já esteja forte demais para os mais velhos e os mais fracos, sem falar das crianças. Por outro lado, com o avanço dos dias em direção ao verão, a correnteza se tornará mais e mais forte. Tentar a travessia agora ou fazer meia volta?

Cientistas concluíram recentemente que, em algumas épocas de secas ou temperaturas extremas, a humanidade quase desapareceu, ficando restrita a uns poucos milhares de seres humanos, que sobreviveram para se tornarem nossos avós. Alguns poucos grupos como aquele à margem do rio tomaram a decisão certa. Muitos tomaram a decisão errada e morreram de fome, de frio ou foram devorados por predadores. Devemos nossa existência às decisões acertadas tomadas em momentos cruciais por alguns machos (ou fêmeas) dominantes, heróis esquecidos da nossa pré-história. Pessoas que sabiam ler os sinais do clima, decifrar o comportamento da caça e dos predadores, descobrir onde encontrar alimento e abrigo das intempéries, aprendendo com experiências passadas para tomar melhores decisões no futuro. Questões de vida e de morte para toda uma espécie. Seleção natural em estado bruto.

Vivemos tempos bem diferentes. Nunca na história da espécie tanta gente teve acesso a saúde e alimento, tanto em termos absolutos como percentuais. A obesidade está se tornando um problema maior do que a fome na maioria dos países. Existem ainda guerras, mas nunca foram tão esparsas. Persistem as tiranias, mas a democracia e as liberdades individuais nunca foram tão fashion. Problemas novos, como poluição e esgotamento de recursos naturais são conseqüências justamente do florescimento populacional e da progressiva facilidade de acesso aos bens de consumo.

Um aspecto marcante de nosso tempo é a informação. Uma parcela crescente da humanidade está tendo acesso aos meios de comunicação, em especial à internet, essa ferramenta fantástica que coloca quase todo o conhecimento humano ao alcance de uns poucos clicks. Maravilhosa, sem dúvida. Porém, não têm faltado vozes para denunciar sentimentos de atordoamento, angústia, confusão e ansiedade causados por essa avalanche de informações. Há uma incômoda sensação de que se poderia saber quase tudo sobre quase tudo, que nos compele a consumir sem qualquer critério uma montoeira interminável de bobagens. Somos alvo de uma saraivada incessante de informações e notícias, incapazes de percebermos que elas são, em sua grande maioria, totalmente irrelevantes para o rumo que daremos às nossas vidas, individualmente ou em sociedade. Partindo-se do pressuposto de que, baseados em análises de acessos anteriores, os sites de notícias selecionam para exibição informações que têm perspectiva de maior número de novos acessos, as pessoas em geral estão gastando seu precioso tempo com irrelevâncias absolutas. Quem beijou quem na festa, quem mostrou a bunda na praia, quantos tiros o travesti desferiu no ex-namorado, minúcias escabrosas de violências e abusos sexuais... Isso é o tipo de coisa que hoje dá Ibope.

A vida é curta. Os tempos hoje podem ser amenos, mas amanhã podem não ser. Mesmo com vento a favor, vai na direção certa e vai mais longe quem conserva o instinto que permite distinguir os sinais essenciais em meio à cacofonia de nossos dias. Com certeza, no futuro, a humanidade irá reverenciar mais uma vez aqueles que hoje, assim como no passado, souberem ler os sinais relevantes para fazerem as escolhas certas, enquanto a maioria se distrai com irrelevãncias à beira do caminho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário