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sábado, 4 de dezembro de 2010

Não Deu na Coluna Social

Apertou os olhos, orientando com algum sucesso os dedos, “longos como os de uma pianista”, seu pai dizia, que seguravam agora o lápis delineador. Depois o rímel. Depois, ainda, o batom vermelho vivo, tão vivo que teimava em escapar além dos lábios finos. Penteou demoradamente os cabelos, que a tintura loura já falhava em dissimular o branco. Inclinando o frasco, arrancou um último spray do último Givenchy. Ajustou a echarpe cor de jade ao redor do pescoço longo e ainda elegante: Etevaldo a comprara e presenteara durante a última viagem que fizeram juntos, antes de ele decidir partir sozinho, tão antes dela. Uma pontada no abdome. O alfinete de fraldas, necessário para manter a calça ajustada à cintura mais esbelta do que já fora, teimava em abrir-se de vez em quando. Ficou ainda um momento diante da penteadeira, girando o rosto um pouco à esquerda, depois à direita, como fizera tantas vezes antes, desde que se mudaram, ela e Etevaldo Bittencourt, para aquele casarão na Gávea. Buzinaram. Olhou através das venezianas brancas descascadas: além da floreira cheia de mato viu o táxi que a aguardava. Pegou o casaco cor de creme e olhou-se uma vez mais no espelho. Elegante, e as manchas de gordura no casaco não se via daquela distância.

Do alto das escadarias que levavam ao hall de mármore branco e preto, fechou os olhos. Escutou o som das conversas, os risos discretos, o tilintar das taças, a emanação de perfumes, loções de barba e brilhantinas, o cintilar dos colares, das tiaras e dos solitários. Sentiu os olhares voltando-se para ela. Desceu devagar, menos pela artrose, mais para desfrutar ainda uma vez aquela sensação que tanto a agradava. Não via a sala vazia, nem os vazios nas paredes, onde antes havia alguns Volpi, uma Tarsila, um Portinari e até dois desenhos de Picasso, sacrificados na tentativa de equilibrar as finanças suas e dos filhos. Whisky, o velho cocker spaniel, estava deitado no sofá, imóvel, desde a véspera. Afagou uma vez mais a cabeça de seu último companheiro, meio branca, meio loura, como a sua. Dirigiu-se à grande porta, guarnecida de metais dourados, abriu-a e olhou para trás. Suspirou. Valera a pena cada festa, cada gota de champanhe, cada jantar, cada viagem. Saiu, deixando atrás de si a porta destrancada.

“Para o Copacabana Palace, por favor, via Delfim Moreira e Vieira Souto”. Pôs os óculos escuros e acompanhou a paisagem da Zona Sul, enquanto apertava o vidrinho que trazia no bolso, cheio de bolinhas cor de chumbo. Com sorte, cairia dentro da piscina.

3 comentários:

  1. Muito bom! Gostei da construção do cenário e dos sentidos pelos fragmentos de descrições. Faça outros! rs... Bjs

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  2. é o "down no high society"? Ficou ótimo!
    bj Lara

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