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domingo, 18 de julho de 2010

Pra Ver Saci


A existência ou não existência de saci é assunto, para muitos, controverso. Os que afirmam a inexistência baseiam sua convicção no frágil argumento de nunca terem posto os olhos em um. Ora, se pensarmos um pouquinho só, vamos reparar que quase todos os que não acreditam são pessoas da cidade, daquelas que nunca passaram uma noite numa fazenda ou numa casa de roça. Ou, se passaram, ficaram o tempo todo reclamando justamente daquilo que a gente, que mora aqui, mais gosta e aprecia: o silêncio, o ar limpinho, a falta de pressa. Ficam contando as aranhas no teto, imaginando se de noite elas vão descer penduradas por um fio bem na cara deles. Dão pulos na cama com qualquer barulhinho de morcego no forro ou de gambá andando no telhado. Até de barulho de vento eles têm medo. Vêm pra roça de salto alto, com lapitopis e vinhos estrangeiros. Tá na cara que essas pessoas não vão ver nunca um saci. Por que qualquer um na roça sabe que pra ver um saci a gente não pode estar apressado nem nervoso.


Agora se, mesmo vindo da cidade, que é lugar onde saci não põe o pé de jeito nenhum, o sujeito chega na roça e consegue se aquietar, aí pode ser que um saci apareça para esse sujeito. Tem que acordar cedo, assim que a saracura começa a gritar na beira do rio, levantar, tomar um golezinho de café com rapadura e descer para o curral ver tirar o leite das vacas, sem medo de pisar em bosta. Depois de prosear com os campeiros encostado na cerca, subir pra cozinha pra comer um angu com leite ou uma broa com manteiga. Mais tarde, talvez, ir até o ribeirão pescar um bagrezinho ou um piau pra fazer pro almoço. Antes do almoço, tomar uma cachacinha, que saci adora o cheiro de uma cachacinha. Cheiro de vinho ele estranha, que vinho é coisa que ele não tá acostumado, e diante de coisa estranha ele não dá as caras, que o bichinho é arisco como ele só. Mas importante mesmo pro sujeito ter chance de ver um saci é tirar um ronquinho depois do almoço. Mas também não pode acabar de comer e já correr pra cama ou pra rede, que isso, além de não ser bom pra digestão, é de muita má educação. Depois do almoço tem que comer um docinho de goiaba ou um docinho de mamão verde, ou um pouquinho dos dois, pra não fazer desfeita pra dona da casa, e sem faltar o queijinho, que é de lei. Depois tomar um café e prosear com o dono da casa, contar e ouvir uns causos. Só depois ir botar o bucho pro alto. Ajuda também um bicho de pé. Não tem coisa melhor pra gente ver um saci que ficar coçando aquela coceirinha gostosa no dedo do pé. Aí o sujeito tá no ponto.


Agora mesmo, que eu estou aqui nessa rede falando essas instruções pra vocês, se vocês não fizerem barulho e olharem com o rabo do olho pros lados do terreiro, vão ver que ali, perto do galinheiro, junto do pé de limão galego, tem um rebuliçozinho de folhas rodando. Aquilo, não tem erro, é saci na certa. As galinhas ainda não estão arreliadas por que ainda não perceberam o danadinho. E ali do outro lado, no bambuzal junto da porteira, escuta só, tão ouvindo? É isso mesmo, esse tec tec tec, que o caboclo desavisado pode pensar que o bambu grosso está rangendo por causa da brisa. Mas quem conhece sabe que isso que ‘cês tão ouvindo são os sacizinhos que, pra quem não sabe, nascem nos ocos dos paus e dos bambus, e já estão crescidinhos e no ponto de sair de noite pra ganhar o mundo, passando por uns furinhos que eles fazem, que depois, quem quiser eu levo vocês lá pra mostrar.


Então, vocês que já estão aí mais ambientados, já viram que saci é coisa que não falta por aqui. Agora, faça-me o favor, vem um sujeito da cidade dizer que saci não existe? E ainda dizem que a gente aqui é que é bobo e acredita em tolice. A gente pode até ter cara de bobo, mas bobos são eles, que se acham muito espertos, mas não sabem o nome de um pé de árvore, não sabem reconhecer o canto de um passarinho nem um pé de couve na horta. O sujeito não sabe nada disso e ainda acha que pode saber se saci existe ou não existe. Tenha a santa paciência!

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