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quarta-feira, 7 de julho de 2010

O Fim




Este conto foi escrito para o concurso “Contos de Rio” de O Globo, agora em 2010. Foi baseado neta foto de Marcelo Carnaval que era, até então, a mais votada pelos leitores para servir de base para os contos. Só que uma outra foto, de uma grande nuvem redonda sobre o Largo da Carioca, acabou sendo a mais votada, e tive que escrever outro conto.

Da janela de seu pequeno apartamento alugado no Catete, Margaret via a multidão caminhando em direção ao Centro, com velas acesas nas mãos e entoando cânticos. Muitas outras pessoas andavam a esmo, enquanto carros da polícia e ambulâncias tentavam abrir caminho com as sirenes ligadas.

Não se sabe ao certo como tudo começou. Dizem que foi um spam, desses que surgem e morrem periodicamente na rede. Contribuiu o fato de o América ter se sagrado bicampeão carioca, e o Flamengo estar há dois anos encalhado na terceira divisão. Ou talvez porque, desde o Natal, chovia diariamente no Rio de Janeiro, e já estávamos em fins de abril. O certo é que, aos poucos, todos foram se convencendo de que O Fim estava próximo. Na verdade, muito próximo. Não se sabia ao certo como seria, se pela água ou pelo fogo, se viria de cima ou de baixo, mas o mundo ia se acabar em 23 de abril, conforme cálculos seguros baseados no calendário maia. O que começou como motivo de piada passou a gerar risinhos amarelos e nervosos. Depois foi o caos e o pânico. Dívidas pararam de ser pagas, funcionários não compareciam mais a seus empregos, fornecedores só aceitavam pagamento à vista, e a economia parou. Os bares encheram-se de gente, mas a cerveja já havia se esgotado completamente em 19 de abril. Coincidência ou não, naquela mesma noite do dia 19, pessoas premidas pelo terror começaram a se jogar das janelas, se esborrachando nas calçadas como goiabas maduras. Na Nossa Sra. de Copacabana e na Rio Branco, ninguém se arriscava além da proteção das marquises. Disseram que uma civilização mais avançada, ou talvez o Messias em pessoa, viria resgatar uns poucos eleitos. Então, no dia 22, multidões se dirigiram a pé para a Central do Brasil, o Santos Dumont, o Galeão, a Catedral Metropolitana e o Sambódromo, iniciando uma vigília nos possíveis pontos de embarque, assunção ou abdução, conforme a crença de cada um nas diversas versões circulantes.

Já Margaret não tinha conseguido embarcar para Governador Valadares. Viu-se só, mais só do que nunca, se isso era possível. Não soube bem por que, mas achou, então, que era importante arrumar o apartamento. Encerou o chão, arrumou as gavetas e a estante, acertou o extrato bancário. Depois tomou banho, maquiou-se, perfumou-se, vestiu seu melhor vestido e sentou-se no sofá novo, na pequena sala do conjugado. Pagara a última prestação do sofá em março, e esta lembrança deixou-a estranhamente em paz. Suspirou de leve e ficou olhando para o bico dos sapatos por uns dez minutos. Pensou na solidão dos últimos anos. Pensou no namoro desmanchado na cidade natal, na tia que a criara depois da morte dos pais. Pensou no colega de trabalho que lhe era tão simpático, mas que ela repeliu quando ele a convidou para um cinema.

Então a campainha tocou. Pelo olho mágico, ela viu um homem desconhecido, forte e elegante, vestindo uma camisa justa de malha. Margaret pensou um pouco e decidiu que era hora de deixar para trás seus medos e escrúpulos. Resolveu abrir a porta, apesar do leve brilho azulado que aquele estranho emanava.

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