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domingo, 14 de setembro de 2014

Missão aves do Pantanal 3: É muito passarinho diferente!

No jantar daquela nossa primeira noite no Araras Eco Lodge, pudemos confirmar o que já suspeitávamos: éramos os únicos brasileiros hospedados, com exceção de uma brasileira que vivia já há dezessete anos na Europa e viera acompanhando um grupo de amigos europeus. Fiquei imaginando o porquê.

Os lugares à mesa haviam sido pré-determinados, e compartilhamos a nossa com Nora e Jan, um jovem casal alemão, Josie e Kamil, um entusiasmado casal belga já em torno dos setenta anos de idade. Nora, uma moça alta de olhos azuis e muito simpática, havia morado por um ano no interior de São Paulo, onde viera parar meio por acaso por conta de um intercâmbio estudantil (sua primeira opção era a China mas seus pais não concordaram, então o Brasil era só o que restava a escolher). Desde então ela voltou aqui várias vezes, aprendeu a falar ótimo português e tem muitos amigos no Brasil. Seu marido Jan, um ortopedista com mais de 1,90 m de altura, se esforçava e arranhava razoavelmente o português. Já Josie e Kamil nada sabiam da última flor do Lácio, então o idioma à mesa acabou sendo o inglês. O casal belga era entusiasta da vida selvagem e já havia estado na Austrália, na Índia, em vários lugares da África e no Alasca. Haviam acabado de chegar de Porto Jofre, mais ao sul pela Transpantaneira, onde haviam ficado por mais de sete horas de tocaia para flagrar o "jaguar", nossa conhecida onça pintada. Tinham dispensado a pausa na tocaia para o almoço na cidade, e foram os únicos de seu grupo a fotografar o felino. Kamil me mostrou com indisfarçável orgulho muitas ótimas fotos de animais de diversas partes do mundo em seu smart-phone. O casal viajava uma vez por ano mas, desde que Kamil foi submetido a uma cirurgia nas coronárias, decidiu que seu tempo se encurtava e passaram a viajar duas vezes por ano.

Invejei o entusiasmo desses estrangeiros pela nossa vida selvagem, coisa que não é tão comum entre os brasileiros, pelo menos por enquanto. Uma viagem como essa ao Pantanal pode ser um pouco mais cara que uma à Europa ou Estados Unidos no que se refere à hospedagem, mas isto é compensado pela passagem aérea bem mais em conta. Considerando-se também que o nosso pacote incluía transfer ida e volta do aeroporto, pensão completa, guias full time e todos os passeios, concluo que o turismo de aventura não custa tanto assim. Simplesmente ainda não está bem divulgado entre nós. Sei que existem pessoas que morreriam só de imaginar uma perereca no banheiro do hotel ou em pegar alguns carrapatos durante um passeio (como nós pegamos), mas também pensei nos diversos amigos amantes das aves e da natureza que amariam estar aqui conosco, apesar desses pequenos ossos do ofício. Talvez estas crônicas possam contribuir para mudar esse quadro.

A conversa correu animada, lubrificada pelas caipirinhas que todos pedimos. A comida e a sobremesa estavam ótimas, mas era bom ir cedo para a cama porque a vida de eco-turista no Pantanal começa antes do sol nascer.

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Cavalarias á espera de uma chance de bicar um sanduíche.
Acordei ás 5:15 com o canto dos aracuãs, os despertadores do Pantanal que, em duetos como geralmente fazem, soam como briga de marido e mulher. Dei bom dia à perereca do banheiro, fiz a barba e logo estava na área externa de câmara em punho. Próxima à piscina e à varanda onde são servidos o almoço e o café da manhã, uma grande árvore despida de suas folhas servia de pouso para um caburé, um casal de papagaios verdadeiros e alguns tucanuçus. Pouco mais além, uma família com três gaviões-belos deixava seu poleiro noturno, dando lugar aos arapapás que chegavam da labuta noturna. Por toda parte ecoavam cantos de inúmeras aves, eu me esforçando para identificá-los. Em destaque o canto dos catataus, que bem podem ter servido de inspiração a Steven Spielberg para a trilha sonora das batalhas de Guerra nas Estrelas, com alguma contribuição do canto dos japacanins. Da passarela sobre os alagados avistava-se socó-boi, carretão, encontro e carão "dando mole", entre muitos outros pássaros. Rondando as mesas onde tomaríamos nossa primeira refeição, bandos de cavalaria, diversos sabiás-gongás, gralhas-do-pantanal e asas-de-telha... Ufa!

Logo aprendemos que primeiro tínhamos que nos servir do café e só depois buscar os pães e bolos. Caso invertêssemos a ordem e deixássemos nossos pratos sem vigilância encontraríamos dois ou três cavalarias dando bicadas em nossos sanduíches. Difícil largar a câmara e se concentrar na comida, mas... calma, Ralph, ainda serão mais quatro dias pela frente.

Depois do café, nosso primeiro programa: canoagem no Rio Clarinho. Embarcamos em um caminhão adaptado, com bancos na carroceria coberta. Seguimos por estrada de terra por trechos de pasto e alagados avistando capivaras muitas e jacarés de monte. Chegando às margens do rio, fomos alertados sobre o risco de levar-se material fotográfico nos caiaques, uma vez que eles não primam pela estabilidade, principalmente sob a direção de novatos com nós. Mas quem resiste? Arriscamos levar apenas uma das câmaras.

Biguatinga seca as asas depois de um mergulho.
Depois de algumas remadas desajeitadas, pegamos o jeito. Eu e Suely, escoltados pelo guia Alexandre Ribeiro, descemos o rio, que nessa época quase não tem  correnteza, avistando martim-pescadores, biguás e biguatingas. Uma família de ariranhas, surpreendida por nós em uma curva do rio, mergulhou e só reapareceu à uma distância segura às nossas costas. Depois de uns quarenta minutos, demos meia volta e desembarcamos no mesmo local de partida. Enquanto esperávamos o churrasco que nos seria servido, arriscamos pescar piranhas no pequeno cais. Nada fácil! Quando consegui fisgar a primeira, já tinha gasto mais que seu peso em iscas de aparas de carne.

Depois do almoço, já voltando, ainda flagramos um gavião preto.

Tuiuiú em seu ninho, a uns 15 metros do chão.
De volta à pousada, uma pausa para descanso, que aproveitamos para descarregar as fotos no notebook. Às três, depois de refrescos com biscoitos e bolo, partimos para uma caminhada pelas matas das cordilheiras próximas (para quem não lembra, são aqueles trechos que nunca ficam inundados). Escoltados às vezes por bandos de bugios e macacos-prego sobre nossas cabeças, foi a oportunidade de ver pela primeira vez uma das estrelas da companhia: udu-de-coroa-azul! Avistamos ainda chora-chuva-preto (também conhecido como bico-de-brasa), jacutinga-de-garganta-azul e seu primo, o cajubi. Fomos até a Torre do Tuiuiú, que nos deixou no mesmo nível de um ninho dessa ave enorme (a maior envergadura do mundo, depois do condor). Ao apagar das luzes, clicamos um pica-pau-dourado-escuro fêmea e um pavãozinho-do-pará.

Os agitos da night pantaneira se revela à luz dos faróis.
Depois do jantar, mais atividades (vida de ecoturista é como rapadura: é doce mas não é mole não!). Focagem noturna. Saímos na boleia do caminhão escuridão adentro, os guias vasculhando a noite em busca de animais. Avistamos, além das muitas capivaras deitadas na estrada, porcos-do-mato, cachorros-do-mato, tamanduá-mirim e guaxinim, além de um pequeno veado. A maior emoção ficou por conta do avistamento à distância de uma mãe-da-lua gigante, seus olhos enormes bem abertos refletindo a luz das lanternas. No dia seguinte a veríamos bem de perto.

Mãe-da-lua-gigante de olhos bem abertos.
Os lifers do segundo dia foram 20:
  • mutum-de-penacho
  • gavião-belo
  • papagaio-verdadeiro
  • xexéu
  • encontro
  • pavãozinho-do-pará
  • gavião-preto
  • juriti-pupu (acreditem, foi lifer)
  • carretão
  • cabeça-seca
  • graveteiro
  • pica-pau-branco
  • jacutinga-de-garganta-azul
  • udu-de-coroa-azul
  • chora-chuva-preto
  • tuiuiú
  • coró-coró
  • asa-de-telha
  • pica-pau-dourado-escuro
  • mãe-da-lua-gigante
(continua no próximo post)





2 comentários:

  1. Muito bom Ralph,eu tinha uma viajem programada para este mês no Pantanal,mas tive alguns imprevistos no trabalho e tive que adiar para o ano que vem,mas estou viajando de carona nos seus relatos e fotos rsr,um abraço.

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  2. cydia de matos botelho16 de setembro de 2014 às 11:30

    Estou adorando seus comentários sobre a viagem.Pererecas e carrapatos são comuns p/ quem ,como eu ,vive no interior.Os pássaros são ,assim como os outros animais.Realmente,uma experiência enriquecedora !!!

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