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sábado, 1 de fevereiro de 2014

Tem um psicopata a seu lado

Malcom McDowell como o psicopata de "Laranja Mecânica"
A novela “Amor à Vida”, que acabou ontem, tentou incluir na trama diversas questões polêmicas tais como amor homossexual, barriga de aluguel, amor entre palestino e judia, AIDS, mal de Parkinson, sadomasoquismo, amor entre homem jovem e mulher mais velha, entre mulher nova e homem mais velho, autismo e muitos outros, sem conseguir aprofundar a discussão de quase nenhum deles. Mas expôs um tema que é figurinha fácil em qualquer novela que se preze e quase sempre responsável pela trama principal dos roteiros, a meu ver, mais polêmico e perturbador que qualquer outro: o psicopata.

Tínhamos aparentemente dois deles em “Amor à Vida”: Félix e Aline. Quiseram os roteiristas que um deles abandonasse o comportamento psicopata depois de uma overdose de derrotas e outra maior ainda de amor incondicional. Félix, na novela, acabou se regenerando. O que concluir disso? Que um psicopata é capaz de se redimir caso receba, enfim, o amor que não recebeu na infância? Não creio. Pode-se concluir apenas que Félix, afinal, não era um psicopata.

Já a personagem Aline seguiu até o fim o roteiro verossímil do psicopata: era incapaz de amar quem quer que fosse, nem mesmo seu próprio bebê; nunca deixou que qualquer sombra de compaixão a desviasse de seus objetivos mesquinhos; mentiu até o final e jurou inocência diante de todas as evidências em contrário. Aline não se compadece de ninguém porque simplesmente não tem a capacidade de se compadecer. Compaixão é algo que ela simplesmente não consegue entender e, não entendendo, só consegue interpretar como fraqueza.

Li dois livros sobre o assunto: “Sem Consciência – O Mundo Perturbador dos Psicopatas que Vivem Entre Nós”, do psiquiatra forense Robert D. Hare e “Meu Vizinho é um Psicopata”, da psicóloga Martha Stout. O primeiro, por força da profissão do autor, trata do assunto da perspectiva da Justiça, enquanto o segundo aborda a questão do ponto de vista de vítimas de psicopatas deitado(a)s no divã (psicopata não faz terapia, a não ser para enganar a plateia). A leitura de dois livros, claro, não torna ninguém especialista no assunto, mas serviu-me para lançar luz nesta questão sombria e aterradora.

Psicopatia, sociopatia e distúrbio de personalidade psicopática são algumas das designações de uma desordem de personalidade caracterizada em parte por comportamento antissocial recorrente, diminuição da capacidade de empatia ou remorso e baixo controle comportamental ou, alternativamente, dominância desmedida. Dito desta forma, parece tratar-se de uma patologia rara e distante da nossa realidade. Longe de ser assim. Os especialistas estimam que algo em torno de 2% da população exibe traços de personalidade psicopática em maior ou menor grau. Em outras palavras, de cada 50 pessoas que você conhece, uma é psicopata. Pode ser o vizinho, o colega de trabalho, um parente ou até mesmo seu filho. Ou talvez você seja um deles! E não adiantaria negar: psicopatas dificilmente se reconhecem como tal.

Quando falamos de psicopatas, logo pensamos em criminosos, serial killers, tiranos cruéis ou tigres inescrupulosos do mundo empresarial. Fossem apenas esses, não seria tão difícil reconhecê-los. Mas o psicopata pode ser a colega fofoqueira e mentirosa que quer passar a perna na concorrência para subir na carreira, o sócio que trabalha pouco e desvia dinheiro da empresa ou ainda o marmanjo que tem sempre uma desculpa para não parar em emprego e viver eternamente à custa da mulher ou dos pais, sem se incomodar nem um pouco com isso (o psicopata pé rapado e sem ambição).
Mas como identificá-los?

·       Psicopatas são sedutores, simpáticos, bons de conversa, extremamente atenciosos e corteses quando é de seu interesse;

·       Mentem compulsivamente, mesmo quando não há motivo algum para isso, e continuam mentindo quando são desmascarados;

·       Têm apetite sexual exacerbado;

·       Sabem simular emoções quando lhes convém, mas nunca se emocionam efetivamente a não ser quando contrariados, situação em que podem ser tornar violentos e cruéis;

·       Em relação às emoções, agem como atores convincentes, mas, para o olho treinado, eles parecem “conhecer a letra, mas não saber a música” no que se refere a expressar sentimentos;

·       Têm baixa tolerância à frustração;

·       Frequentemente buscam posições de poder para terem ampliada sua capacidade de manipulação;

·       Parecem admiravelmente capazes de manter a calma diante de ameaças que deixariam a maioria em pânico, uma vez que o medo praticamente inexiste em suas mentes;

·       Consequentemente, expõem-se rotineiramente a situações de risco, uma das únicas formas em que conseguem experimentar alguma emoção. Por não terem medo de assumir riscos, podem impressionar legiões de admiradores e seguidores;

·       Tendem a exagerar seus feitos e qualidades e seus currículos são recheados de mentiras que a maioria das pessoas comuns nem sonha em questionar;

·       São incorrigíveis e insensíveis aos apelos alheios.

Enfim, essas características fazem com que deixem um rastro de destruição, prejuízos, frustrações e corações partidos por onde passam. Isso quando não deixam gente literalmente ferida ou morta.

A psicopatia parece estar ligada a um tipo de deficiência cerebral traumática ou herdada, podendo ser ou não desencadeada ou exacerbada por um histórico familiar conturbado. A psicopatia levanta graves questões morais e legais. Do ponto de vista religioso, é perturbador considerar que certas pessoas são, de forma inata, incapazes de desenvolver compaixão e arrependimento. Isso estaria simplesmente além de suas capacidades. Neste caso, de um ponto de vista religioso, como se poderia explicar que um Deus justo criasse pessoas irreversivelmente destinadas ao inferno? Já a nível terreno, do ponto de vista legal, a psicopatia poderia ser considerada um distúrbio mental que privaria um criminoso de distinguir entre o bem e o mal? Sendo assim, poderiam ser considerados inimputáveis? Na verdade, os especialistas afirmam que eles sabem perfeitamente a diferença entre o que é certo e o que é errado. E que eles tomam decisões sobre o que fazer baseados apenas nas possibilidades de serem pegos, não no eventual sofrimento que seus atos possam gerar para terceiros.

Basta assistirmos o noticiário para verificarmos que diariamente alguém sem escrúpulos inventa uma nova fórmula para tirar vantagem de pessoas honestas e crédulas. Diante de um psicopata com uma arma apontada para sua cabeça, é completamente inútil argumentar que você tem filhos pequenos que precisam de você: ele não tem a capacidade de entender sua argumentação nem de se colocar em seu lugar. Um jovem psicopata na família frustra todos os esforços e as melhores intenções de seus pais e parentes de direcioná-lo a um caminho responsável e honesto, deixando-os eternamente se perguntando onde foi que falharam. Uma mulher casada com um psicopata passa anos ou toda uma vida oscilando entre acreditar nas desculpas e nos carinhos que a levam a mais uma vez submeter-se sexualmente ao parceiro ou repudiar o comportamento cruel, promíscuo, mentiroso e violento que tanto a faz sofrer.


O cinema e a literatura estão recheados de psicopatas que nos intrigam e nos perturbam: o cruel Hannibal (Anthony Hopkins em “O Silêncio dos Inocentes”), o sedutor Frank Abagnale Jr. (Leonardo di Caprio em “Prenda-me se for Capaz”), o inescrupuloso Jordan Belfort (novamente di Caprio em “O Lobo de Wall Street”), o inquieto, sedutor e irresponsável Dean Moriarty, de “On the Road”, e tantos outros. Mas não se iluda: se eles foram retratados na arte é porque existem na vida real.

Certa vez uma amiga separada confidenciou-me sua dificuldade em entender o porquê de seu ex usar de todos os subterfúgios possíveis para negligenciar atenção e dinheiro de pensão para os três filhos que ela tivera com ele, por mais que a situação financeira dele fosse confortável. Eu tinha acabado de ler “Meu Vizinho é um Psicopata” e identifiquei imediatamente qual era o problema com o sujeito. Dei-lhe de presente o livro. A leitura levou-a finalmente a desistir de esperar dele aquilo que ele não tinha nem nunca tivera: capacidade de dar amor e empatia aos filhos. Foi uma libertação. Tenho outra amiga que teve por companheiro um homem bonito e sedutor, cuja única estratégia de vida ainda é representar o papel de pobre cachorrinho abandonado para viver na aba de uma companheira crédula, sem nunca ter que pegar no batente. Ele se diz um artista plástico (medíocre) esperando ser finalmente descoberto pelo público e pela crítica. Uma vez um amigo conseguiu que ele expusesse em uma galeria badalada. Para não correr o risco de ter sua estratégia desmascarada, ele sabotou a própria exposição.


Eles (e elas!) estão por aí, dizendo-se seu amigo, que estão apaixonados por você, que têm um excelente negócio a lhe propor, ou simplesmente apontando-lhe uma arma. Não perca tempo argumentando com eles. O melhor é manter-se a uma distância segura.

2 comentários:

  1. Muito interessante e oportuna esta crônica! geralmente os psicopatas são caricatos e nós temos dificuldade em aceitar que estas pessoas são incapazes de sentimentos verdadeiros, até por que são inteligentes o suficiente para representá-los quando lhes convém.

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  2. E quando manter uma distância segura não for uma opção???

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