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segunda-feira, 6 de maio de 2013

O Rebanho Listrado

Um rebanho de cardiologistas e uma felina predadora.

Estou na fila de retirada de material de um simpósio médico internacional em São Paulo. Serão dois dias, sábado e domingo, em horário integral, onde eu e outros cardiologistas tentaremos nos inteirar dos mais recentes avanços na fronteira da ciência médica. Quase todos estão aqui graças aos incentivos para educação médica continuada da indústria farmacêutica, o que, em outras palavras, significa que estamos aqui graciosamente. O que não significa que haja muita graça nesta fila de médicos, quase todos veteranos, a julgar pelos abdomes convexos e pelas cabeças grisalhas ou calvas. São poucos os jovens; a indústria farmacêutica tende a investir em cardiologistas com clientela estabelecida e com calos de estetoscópio nos canais auditivos. Os colegas paulistanos são a maioria e fazem questão de confirmar o estereótipo que existe na minha cabeça: branquelos bem barbeados com olhos esverdeados e sobrenomes sempre terminados em “eli”, “ali” ou “ani”. Há alguns de olhos escuros, cabelos castanhos e narizes avantajados, os necessários representantes médicos das tradicionais famílias libanesas cristãs-maronitas da Paulicéia. Independente da origem familiar, uma variação infinita sobre o tema listras-verticais-finas-coloridas-sobre-fundo-branco impera nas camisas de meus colegas, e minha própria não é exceção. Sou uma zebra em uma manada de zebras. Mas cada profissão tem seu código de vestuário, fazer o quê? Fosse um congresso de homeopatas, talvez houvesse alguns de bata de algodão e sandálias sem meia, mas não é o caso. A exceção na fauna cardiológica masculina, se é que poderíamos incluí-lo na categoria, é um rapaz com camisa para fora da calça skinny, jaqueta preta de couro envelhecido e um par de sapatos de verniz de bico finíssimo, capaz de matar formiguinha no canto do consultório. Um metrossexual, para dizer o mínimo, ou um glorioso antílope pastando em meio a nós, zebras sem graça.

Mulheres, há poucas. Cardiologia ainda é uma especialidade de homens, pelo menos na minha geração. Quanta diferença em relação ao congresso de endocrinologia em que me meti há um ano! Senti-me o Marcello Mastroianni no filme “Cidade das Mulheres” de Fellini. As poucas representantes femininas aqui fazem, em sua maioria, o figurino deselegância-discreta, reforçando o mito. Há, no entanto, uma exceção gloriosa na fila: uma bela quarentona e suas pernas perfeitamente torneadas prudentemente envolvidas em  finas meias de nylon, que despontam de sob um vestido curto em padrão de oncinha para equilibrarem-se em saltos altíssimos. Os longos cabelos alisados e alourados à custa de várias centenas de reais emolduram o olhar felino que espreita a nós, o rebanho listrado. Distraio-me observando aquelas pernas, em especial quando a dona, aparentemente sem motivo, debruça-se sobre o balcão de atendimento, revelando alguns centímetros a mais de suas possantes patas traseiras de predadora.

Pego o material quando chega a minha vez. Depois observo as várias rodinhas de médicos sorridentes que se cumprimentam estapeando-se nas costas com variados graus de vigor: ex-professores e seus ex-alunos, ex-colegas de plantão, de faculdade e de residência. Talvez este seja o ponto alto dos congressos e simpósios. Não quero ser uma exceção solitária. Há poucos niteroienses aqui, mas logo avisto um amigo e mais outro e mais outro. Seremos companheiros nos próximos dois dias, trocando impressões técnicas e tentando absorver da melhor maneira possível as novidades que nos serão expostas. Relembraremos velhas histórias, contaremos casos, clínicos e pessoais, dividiremos uma ou duas confidências. À noite, encorajados por um bom vinho, contaremos piadas e daremos risadas à volta de uma mesa de pratos de massa. E assim são os congressos médicos.

2 comentários:

  1. Ralph,
    gostei muito. Adoro a forma de como você registra as suas observações.
    Abraços,
    Rosário

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  2. Adorei saber como são os congressos que reúnem os médicos, esses seres superiores, verdadeiros mistérios para mim, mera mortal!

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