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terça-feira, 24 de julho de 2012

Semana Sabática na Serra, ou O Sr. "Jenessequá"


Saíra-militar (clique nas fotos para ampliar)

Minha tradicional SSS - semana sabática na serra - ficou reduzida a cinco dias este ano, por conta da perspectiva de uma viagem de duas semanas em setembro próximo. Hay que capitalizar-se... Munido de equipamento de fotografia, artigos medico-científicos, material de aquarela e alguns livros, subi a montanha em direção ao nosso sítio na última quarta-feira. Minha mulher só subiria na sexta à noite, depois do trabalho. “Alguém tem que trabalhar nessa casa, afinal”, diria um amante do lugar comum.

Um dos livros que veio na bagagem foi, por coincidência, “Como Ficar Sozinho”, de Jonathan Frenzen e já estou nas últimas páginas. Havia lido um trecho do livro na revista “Piauí” dedicada à FLIP – Feira Literária Internacional de Parati - e gostei de sua preocupação explícita em se fazer claro para o leitor médio e também pelo seu amor à observação de pássaros. Entrevistado recentemente a caminho de Parati, Frenzen tinha a expectativa de poder se entregar, um pouco que fosse, à observação nossa fauna ornitológica. Espero que tenha conseguido. Estabelecidas essas empatias, entrei semana passada na livraria Gutenberg, em Icaraí, atrás de um de seus livros. Acabei levando dois: além do “Como Ficar Sozinho”, o romance “As Correções” me aguarda na prateleira.

Saí-azul (macho)
 Parênteses: bisbilhotar livrarias é um prazer antigo. Quando trabalhava no Centro do Rio, usava a hora do almoço para , quando tinha tempo, visitar uma exposição no Paço, no CCBB ou no Museu de Belas Artes, ou folhear sem compromisso as novidades na “Livraria da Travessa” original, na Travessa do Ouvidor. Hoje, quando as consultas da manhã não me estrangulam o horário do almoço, escapo para a livraria Gutenberg, em Icaraí. Raramente meu cartão de crédito sai ileso. Como conseqüência, a pilha de livros por ler em minha mesinha de cabeceira deve ter mais de uma dúzia, três ou quatro começados. Tenho o hábito de ler um livro de ficção e outro de não ficção simultaneamente, além da sagrada e prazerosa leitura da National Geographic. Às vezes me questiono se a pilha de livros ainda por ler me causa a angústia obsessiva das tarefas pendentes. Muito pelo contrário. A perspectiva de ter tantas coisas interessantes por ler, saber que tenho tantos bons textos me aguardando, me enche de alegria em antecipação dos prazeres futuros. Me aguardando no momento: “1984” de Orwell (começado), “A Menina de Capuchinho Vermelho e Outros Contos de Meter Medo”, de Angela Carter (quase terminado), o ecológico “A História das Coisas’,de Annie Leonard (começado), “Teorias Selvagens”, da argentina Póla Oloixarac e “Deuses Americanos”, de Neil Gaiman. Todos terão a sua vez. Preciso dar um tempo nas visitas à Gutenberg. Fecha parênteses.

Vissiá
O livro de Frenzen (”Como Ficar Sozinho”) é uma coleção de ótimos ensaios sobre os mais variados assuntos, sempre de um ângulo subjetivo e emocional, sem, no entanto, deixar de lado a objetividade. Ele percorre assuntos como o mal de Alzheimer, que vitimou seu pai, o crescimento econômico chinês e como ele vem atingindo em cheio as reservas naturais e a vida selvagem, o sistema prisional americano e diversos outros temas. Para cada ensaio, Frenzen se envolve pessoalmente com protagonistas reais, deslocando-se local onde a ação se desenvolve. Independente de seus conceitos antecipados (pré-conceitos) em cada assunto, ele acaba por descobrir no palco de cada tema, personagens reais tentando, cada um à sua maneira, fazer a coisa certa, mesmo nos extremos opostos de cada disputa. Frenzen nunca consegue chegar a conclusões panfletárias, acaba ficando em algum lugar no meio do caminho, atolado e emocionalmente envolvido nos aspectos humanos dos protagonistas.

Num de seus ensaios, Frenzen reflete sobre sua decisão de se tornar escritor, num mundo onde a grande maioria das pessoas parece não ter interesse em dispor de seu escasso e precioso tempo para a leitura de romances. Em tempos de TV, internet e cinema, os livros parecem ter perdido espaço como meio para divulgação de novas idéias ou denúncia de situações relevantes que já não tenham sido expostas pela mídia instantânea, que hoje domina a cena. Acredito, no entanto, que nada supera o livro como instrumento que nos faça mergulhar profundamente nos aspectos da subjetividade, daquilo que nos faz seres humanos únicos e ao mesmo tempo compartilhantes de universalidade humana.

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Gaturamo-bandeira
Conheço muitas pessoas que ficam apavoradas só de imaginarem-se por cinco ou dez dias longe da Internet, dos Shopping Centers, do sinal de celular e de tudo o mais que compõe o turbilhão das grandes cidades, no qual estamos enfiados até o pescoço na maior parte do tempo. A perspectiva de não ter o tempo constantemente ocupado e a atenção saltando freneticamente de galho em galho daquilo que chamamos de vida moderna deixa muita gente com medo de se ver diante de um não-sei-o-quê, que poderia brotar do fundo de si mesmos.

Eu, por meu lado, preciso dessa pausa, preciso travar contato com o Sr. Jenessequá., fazer as pazes e travar amizade com ele. Acreditem: ele é um cara legal. As conversas que tenho com ele me são essenciais. Ele foi meu único companheiro nesses poucos dias aqui sozinho. Já o tédio, esse não existe por aqui. Na verdade, volto sempre com uma ponta de frustração por não ter dado conta de tudo que me havia proposto a fazer, mas nada que me perturbe. É parte da motivação para próximas vindas à serra. Aquarela, por exemplo, dançou. Estudei medicina, li bastante e, principalmente, fotografei muitos pássaros. Flagrei, pela primeira vez, a saíra militar, o gaturamo bandeira, a fêmea do gaturamo serrador (ou ferro-velho) e o tié de topete, além de mais quatro espécies que ainda vou identificar with a little help from my friends do Wiki-Aves. Ornitologicamente falando, a semana foi perfeita. O Frenzen teria gostado de estar aqui.

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Pesquisa informal: Faço a você as perguntas que sempre faço aos meus pacientes que flagro lendo um livro na sala de espera de meu consultório: O que você está lendo atualmente? Quais livros estão aguardando em sua mesinha de cabeceira? Você lê mais de um livro ao mesmo tempo?

4 comentários:

  1. São 03:20 da madruga ! Procurando o sono e para não brigar com a cama, colchões,cobertas e travesseiros, aqui na minha vidinha solitária fiz um assalto a geladeira que rendeu uma maçã e dei uma espiada nessa "insana e maravilhosa" internet... Gostei do que você escreveu e mais ainda das fotos ! Uau ! Lindíssimas fotos ! Abçs

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  2. Eu ia dizer que este seu texto está muito agradável de ler, que ele desce macio como o jazz que estou ouvindo agora, que você sempre se supera como cronista, que invejo esse tanto de livros que você está lendo, mas dei de cara com esta frase: "A perspectiva de não ter o tempo constantemente ocupado e a atenção saltando freneticamente de galho em galho daquilo que chamamos de vida moderna deixa muita gente com medo de se ver diante de um não-sei-o-quê, que poderia brotar do fundo de si mesmos." Silêncio. Je ne sais quoi...... (soa o saxofone, depois o piano, o espelho é inevitável). Fecha o pano.

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  3. Genial meu amigo,simplesmente adorável!!

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  4. Faço coro: "nada supera o livro"!!! E o anseio pela minha própria Semana Sabática cresce a cada dia... Agora, com a leitura sobre a sua, agiganta-se!!! Hehehehe...

    Respondendo à sua pesquisa informal, dificilmente leio mais de um livro ao mesmo tempo. Já aconteceu, nos tempos áureos, mas de um tempo pra cá, não ando dando conta não...

    No momento, há muitos deles me aguardando na cabeceira. Resultado do aniversário que passou, recentemente, aliado à generosidade dos amigos que conhecem bem a fanática por livrarias aqui (filio-me ao seu clube, Ralph). Há biografias (Steve Jobs, Gabriel Garcia Marques), empréstimo ("A menina que roubava livros"), Vargas Llosa ("A festa do bode"), políticos ("A história das ideias políticas" e a releitura de "Os donos do poder") etc. Enfim, eu disse que a lista era grande...

    O atual é "O Homem que Roubou Portugal", que conta a história de um dos maiores golpes financeiros mundiais (tramado por Alves Reis). A linguagem jornalística me interessa e o enredo está fazendo valer a leitura!

    Acresço uma pergunta, que dirijo a você, informal pesquisador: como você faz quando uma leitura não o agrada? Vai até o fim, encarando-a como uma verdadeira missão, ou a interrompe no meio, sem resquícios de culpa? Conte para nós! ;-)

    Um abraço, Ralph!

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