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domingo, 13 de maio de 2012

Everest, Culpa e Outras Divagações Dominicais


Li a crítica positiva na Veja – sim caro leitor, sou assinante da Veja; aviso logo de cara para que você, que posta aqueles quadrinhos pré-fabricados contra a revista no seu Facebook interrompa já aqui sua leitura e vá ocupar seu precioso tempo em coisa mais de acordo com suas crenças - sobre o novo livro de Luiz Felipe Pondé. Não sosseguei enquanto não o comprei o “Guia Politicamente Incorreto da Filosofia – Um Ensaio de Ironia”, recém lançado. Aliás, o fato dele estar encabeçando a lista dos mais vendidos de “não ficção” me dá esperanças de que exista uma parcela significativa de pessoas incomodadas com essa ditadura do politicamente correto, ou “praga do PC” como diz Pondé. Pelo menos na parcela da população que lê e, provavelmente, pensa de forma crítica. Li-o em pouco mais de um dia. Independente de se concordar com seus pontos de vista, Pondé sobressai como excelente frasista. Exemplos? “A Bahia é uma terra devastada pela alegria”; ou “Em mim, o amor é raro como a virtude de uma mulher louca de desejo”. Só pelas contundentes frases de efeito, artigo raro hoje em dia, já vale a leitura.

Pondé é médico nascido numa família de médicos. Numa aula do curso de medicina sobre câncer, perguntou ao professor como se sentiria um paciente diante da certeza da morte. “Meu filho, você está no curso errado, deveria estar cursando filosofia.” Ainda tentou conciliar as coisas direcionando seu curso para a psicanálise. Buscando aperfeiçoamento psicanalítico, enveredou pela Filosofia e nunca mais a largou. No embalo da leitura, assisti alguns vídeos com entrevistas e aulas dadas por ele. Contrariando o meu receio, pareceu-me uma pessoa desprovida de agressividade ou rancor. Apenas um homem honesto consigo mesmo, casado e pai de família, que se diferencia da maioria de nós pela curiosidade e perplexidade diante da fragilidade da condição humana, suas grandezas e misérias e de nossa  pequenez diante da Natureza. Que ousa encarar essa angústia, ao invés de tentar afogá-la com cerveja e churrasco. Coragem para poucos.

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Falando em Natureza. Comprei no mesmo dia o livro “Na Natureza Selvagem" – "Into the Wild” , do jornalista Jon Krakauer. O livro, que virou um ótimo filme, narra a saga de Chris MacCandless, rapaz de família rica que, assim que se formou, entregou seu diploma aos pais, vendeu seu carro, doou todo seu dinheiro e sumiu sem destino e sem dar notícias. Seu cadáver decomposto foi localizado por caçadores de alces dois anos depois, dentro de um ônibus abandonado na imensidão erma e gelada do Alasca. Krakauer, jornalista que publica regularmente na National Geographic Magazine, no Washington Post e no New York Times, já havia ganho projeção ao escrever “No Ar Rarefeito”, onde narrou sua experiência pessoal escalando o Everest na temporada mais fatídica daquela montanha, e a mercantilização do alpinismo, onde empresas lideradas por veteranos do Everest se propõem a levar qualquer um que não seja doente ou aleijado ao topo de mundo. Muito mais fascinante do que a análise crítica desse aspecto comercial do alpinismo radical é a tentativa de entender o que leva o ser humano, ou alguns deles, a testar seus limites diante da Natureza desafiando a morte. Existe um aspecto universalmente humano nesse desafio. Não é apenas testar os limites físicos, ou ver a paisagem lá do alto, nem mesmo tentar afirmar-se como mais poderoso e corajoso que a maioria dos mortais. Trata-se da busca de um encontro com uma instância mais profunda de si mesmo que a proximidade da morte proporcionaria. Era isso que buscava MacCandless, é isso que buscam os alpinistas de grandes altitudes, e o jornalista Krakauer identifica em si as sementes da mesma “loucura”.

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Ultimamente ouve-se muito sobre a responsabilidade do homem em salvar a Natureza. Depois de “matar” Deus e de tentar ressuscitá-lo, o homem, em arrogância pré-galileica, tem se arvorado como aquele que vai “salvar” ou “destruir” a Natureza. No máximo, estamos tentando prolongar um pouco mais o capítulo, ou melhor, a vírgula que a humanidade representa no grande livro da Natureza. Ela vai continuar existindo depois do homem, depois da vida sobre a Terra, depois que o Sol explodir. Não conosco, mas “sem nosco”. A Natureza não é boa nem má, tanto engorda quanto mata. Tanto fornece água limpa que alivia a sede quanto despeja a enxurrada que arrasa. Câncer é tão natural quanto beija-flor. Mesmo assim, e talvez justamente por sua impessoalidade majestosa, a Natureza é fascinante. Nós apenas tentamos agradar e barganhar com o deus ou os deuses naturais, para que ela nos mostre mais o seu lado favorável que o destrutivo.

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Voltando a L. F. Pondé. No livro ele aborda uma questão básica da filosofia: o homem é originalmente bom ou originalmente mau? Para Hobes, o ser humano é essencialmente mau e egoísta, e as coisas só não funcionam pior e conseguimos conviver em razoável harmonia porque a sociedade, em nome da convivência, tolhe e pune os impulsos egoístas individuais. Já para Rousseau, que no momento está ganhando de goleada no meio acadêmico "politicamente correto", o homem é essencialmente bom, mas é corrompido pelo meio, pela Sociedade. Caberia aí também confrontar a visão judaico-cristã do pecado original (nascemos maus) com o conceito budista de que somos essencialmente budas (nascemos bons) e apenas não permitiríamos, ou não saberíamos como fazer com que esse buda se manifeste. Ressalve-se que o budismo estimula (cobra) do indivíduo o esforço inalienável de retirar o entulho que encobriria esse buda original em cada um de nós. A ênfase na culpa pode desanimar e deprimir espíritos menos corajosos (ou com baixa auto-estima, para usar um termo mais em voga). A vertente defendida por Rousseau, por sua vez, pode retirar da esfera do individual a “culpa”, ou a responsabilidade por seus atos e pelo resultado de seus atos. O culpado seria sempre "O Outro": a mãe, o vizinho, o cunhado, a sociedade, o Estado, o "Capitalismo Selvagem" que me impedem de manifestar plenamente o ser virtuoso que eu seria. No entanto, sabemos que só avançam na psicanálise aqueles que têm a coragem de assumir a responsabilidade (culpa) pelo que não vem funcionando bem em suas vidas, independente das circunstâncias mais ou menos favoráveis que cabem a cada um. Colocar a culpa no outro é a desculpa dos que não querem ou não têm coragem moral para mudar. A falta total de culpa gera monstros morais. Ou, no mínimo, gera pessoas preguiçosas, que não arrumam o quarto, deixam o capim crescer no quintal e culpam o chefe por não subirem na carreira.

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Ainda sobre a responsabilidade moral. É fácil para nós, dessa distância segura,  jogar pedras naqueles que, pautados pelas questões práticas de sobrevivência própria e de seus familiares, foram colaboradores dos nazistas durante a ocupação da França, ou daqueles que, pelas mesmas razões, fecharam os olhos para o holocausto. Isso quando não denunciaram ativamente judeus escondidos no porão do vizinho na Alemanha do Terceiro Reich. À distância, todos transbordamos das nobres virtudes da coragem e da compaixão. Eu, humildemente, sou perseguido pela dúvida em relação às minhas eventuais qualidades morais. Tenho dúvidas se agiria como colaborador ou se me engajaria na resistência. Estatisticamente apenas, as chances são de que eu seria um colaborador. Esse fantasma (essa culpa), me assombra. Acho mais saudável assim.

3 comentários:

  1. Muito bom Antunes!Prá refletir e olhar prá dentro.Você tá um cronista de primeira.

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  2. Reflexões inteligentes, nada fáceis não... temas espinhosos, recorrentes, seus. Dá-lhe, cronista!

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