Aqui compartilho contos, crônicas, poesia, fotos e artes em geral. Escrevo o que penso, e quero saber o que você pensa também. Comentários são benvindos! (comente como ANÔNIMO e assine no fim do comentário). No "follow by E mail" você pode se cadastrar para ser avisado sempre que pintar novidade no blog.

domingo, 11 de setembro de 2011

Fabulinhas Fabulosas: O Filósofo

Filosofia com humor (L. F. Veríssimo)

Havia, há não muito tempo atrás em um reino pouco, pouco distante, um filósofo. O dito filósofo, professor universitário, gozava de grande conceito entre seus pares e muito prestígio nas esferas mais intelectualizadas do reino. A tônica de seu discurso, ou leitmotif, como ele fazia questão de dizer, era a perplexidade do ser humano diante da existência, a sensação de desamparo diante da perspectiva da morte e de esmagamento frente à imensidão do universo, a falta de sentido da existência, a inutilidade do sofrimento, enfim, essas coisinhas que dão camisa e pagam o leitinho das crianças dos psiquiatras e psicoterapeutas e fazem a alegria dos acionistas da indústria farmacêutica. Dava palestras freqüentes e muito concorridas, de onde era impossível o cidadão não sair macambúzio e deprimido, mas aplaudindo a lucidez extraordinária do filósofo. Já dera entrevista para o “Prosa e Verso” e um de seus livros, um romance que se tornara um cult instantâneo, estava em negociação para virar roteiro de filme do González-Iñárritu. Enfim, seu papo deprê dava o maior ibope.

O filósofo não era um homem bonito: magro e pálido, usava os cabelos compridos presos em um rabo de cavalo desajeitado. Fumava muito e bebia pacas: apenas destiladas, nutrindo um gosto especial pelo absinto. Apesar da aparência, tinha um séqüito de mulheres, algumas bem jeitosinhas e diversas exibindo com certo orgulho cicatrizes nos pulsos. Mas, claro, não se fixava em nenhuma. Tinha um rosário de casos curtos com mulheres tidas como as mais inteligentes do pedaço, inclusive uma famosa atriz da novela das nove.

Um dia, desmaiou em meio a uma palestra e foi levado às pressas a um hospital. Foi internado para esclarecimento diagnóstico, e o médico que o atendeu, profissional muito dedicado e da maior competência, virou-o do avesso. Além de gastrite moderada, anemia leve e um início de enfisema, descobriu-se que sofria de hemorróidas e amebíase. Tratada a amebíase e operadas as hemorróidas, teve alta com orientação de dieta, que se abstivesse por um tempo do álcool e parasse de fumar. O médico assistente prescreveu-lhe também um antidepressivo desses moderninhos, que não dão efeitos colaterais.

Contra todas as expectativas, o filósofo seguiu as instruções do doutor. Não sabendo bem se por fim do desconforto orificial, digamos assim, ou por efeito do antidepressivo, sentiu-se bem pela primeira vez na vida. Passou a se alimentar decentemente e não voltou a fumar. Tornou a beber, mas com moderação. Engordou um pouco e passou a exibir uma cor menos pálida, beirando o rosado. Viu-se, para a própria surpresa, rindo de bobagens. Um dia deu uma gargalhada e quase deslocou a mandíbula. Mas passou a ser olhado atravessado pelos antigos colegas de desespero. “Desertor!”, falaram dele pelas costas com desprezo. Nos meios intelectuais disseram que ele se havia vendido ao sistema e abandonado a luta sem causa. O tom de suas palestras ficou um pouco menos pesado, sendo inclusive, vejam só, acusado pelos antigos fãs de deixar entrever alguma esperança para o dilema da vida humana. Aos poucos as platéias passaram a ficar mais ralas e os convites escassearam.

Dizem as más línguas que ele se casou e tem dois filhos. Continua dando aulas na universidade, mas nunca mais escreveu nenhum livro. Foi visto domingo passado dando uma corridinha com a esposa no calçadão da praia. Ele ainda se aborrece um pouco com as vaias ocasionais que recebe, por isso tem evitado aparecer nos bares que costumava freqüentar. Parece que agora está planejando voltar a escrever. Está com idéias para um roteiro de teatro: uma comédia.

6 comentários:

  1. E aí, galera? Qual a moral da história?

    ResponderExcluir
  2. Tem uma hora em que todo filósofo (ou ser) tem que escolher entre ser infeliz por decisão ou viver com paixão. Esse, escolheu alguma coisa?

    ResponderExcluir
  3. A vida é breve, a carne é fraca e cada torcida tem o Sócrates que merece.

    ResponderExcluir
  4. "Mens sana et corpo sano"? Só depois de tratar as hemorróidas!

    Acertei?

    ResponderExcluir
  5. Moral da história: "Felicidade não dá boa literatura, ou não dá nenhuma." Mas há controvérsias.

    ResponderExcluir
  6. Ihhhh, conheço uma pessoa que, na minha opinião, vai concordar integralmente com a moral desta história, Ralph! Vou mandar pra ele...

    ResponderExcluir