Máscara II, Ron Mueck no MAM - Rio de Janeiro |
Sentado próximo à proa, ele está
só e está nu. Ele é desproporcionalmente pequeno ou será o barco que é
desproporcionalmente grande? Não há remos,
nem leme, nem vela, nem mastro. Ele está à deriva, e os braços cruzados do
homem demonstram que ele sabe que não há o que fazer ou como lutar. Seu destino
e seu futuro escapam-lhe completamente ao controle. Olho mais uma vez para seu
rosto enrugado: um rosto quase familiar, que poderia ser do vizinho ou de um
velho professor, talvez de meu avô quando eu era criança. Estou preparado para
ver estampado naquele rosto o desespero ou a conformidade. Mas ele me desmente:
os olhos estão vivos e atentos, o pescoço um pouco esticado para diante, como
que tentando enxergar algo que está mais à frente e que ele não consegue ainda
distinguir o que é. Será o fim? Será a esperança?
Já o enorme casal sob o
guarda-sol colorido a princípio desperta pena. Eles são velhos. Estão em alguma
praia, provavelmente cercados de corpos jovens e firmes como os deles já foram,
mas nada indica que algum dia tenham sido belos. Os cabelos dele são ralos e os
dela são curtos e grisalhos. Nenhum sinal de vaidade, a não ser as grossas
alianças douradas, apertadas demais naqueles dedos nodosos que já foram mais
magros um dia. Ele repousa de costas na areia imaginária, a cabeça apoiada nas
pernas e nas varizes das pernas da companheira. Lembro-me, como contraponto, de
“O Beijo”, de Auguste Rodin, o jovem casal de formas perfeitas que se enlaça em
um beijo intenso e sensual, expressão perfeita e ideal do arrebatamento da
paixão. Mas, então, percebo que o velho senhor tem um quase imperceptível
sorriso no canto dos lábios, que transmite felicidade discreta e convicta, oposta
à dos selfies escancarados a que sou
submetido diariamente nas páginas das redes sociais. Contorno os dois e
descubro que o braço direito do homem, o cotovelo apoiado no chão, segura
delicadamente o braço de sua companheira. Procuro os olhos dela: cercados de
rugas, eles repousam ternos sobre a face do seu homem. Ele, distraído, não vê,
mas talvez possa pressenti-los. Os dois ultrapassaram a juventude e deixaram para
trás a paixão, essa bijuteria vistosa. Eles se amam.
E assim vou percorrendo uma a uma
as nove esculturas hiper-realistas de Ron Mueck. O realismo técnico, embora
impressionante, é acessório. O verdadeiro realismo está na capacidade de cada
uma delas transmitir uma humanidade que nos penetra sem pedir licença, como a
faca que penetrou o abdome do jovem negro de outra escultura: ele ergue a
camiseta ensanguentada e examina aturdido a ferida, sem entender como a vida
pode atingi-lo assim, tão profunda e inesperadamente.
Uma hora de pé na fila do lado de
fora do MAM, a sala lotada de visitantes, mas vale cada segundo. Vale mais:
vale o preço de uma ponte aérea, vale faltar a um dia ao serviço, vale ir
sozinho. Só não vale não ir ver Ron Mueck no MAM do Rio.
Que bom que você gostou.
ResponderExcluirDesfrutei os mínimos detalhes.
Ouvi por onde andei, que ele não
é muito ajustado, imagine se fosse.
Abraços,
Rosário