Alma-de-gato. |
Da mesma forma, nunca me
conformei em passar uma vida inteira por uma árvore sem saber de que espécie se
trata, ou em escutar o canto de um passarinho sem saber reconhecer quem é o
autor do gorjeio refinado ou do pio repetitivo. Admiro-me quando verifico que a
maioria das pessoas não sabe bem a diferença entre um pardal e um tico-tico ou
não distingue um sabiá de um bem-te-vi. Nem sabe diferenciar uma pata de vaca
de um algodão da praia, árvores corriqueiras nas calçadas e praças da cidade.
Esta curiosidade natural se
acentuou muito quando começamos a frequentar Rio Bonito de Cima, localidade
serrana em Nova Friburgo. Lá, a variedade de pássaros é enorme. Comecei a fotografar
as aves e flores do lugar de modo descompromissado, mas logo me vi compelido a
expandir meus conhecimentos botânicos e ornitológicos. Comprei então os ótimos livros Aves do Brasil, de Dalgas Frisch e os dois volumes de Árvores Brasileiras , de Harri Lorenzi, e passei a exercitar minha atenção em relação ao mundão de
árvores e passarinhos do lugar. Apenas dentro do perímetro do sítio, que tem
apenas um alqueire, já identifiquei e fotografei mais de setenta espécies
diferentes de aves, mas existem muitas mais.
Quando acordo por lá, com as
primeiras luzes da manhã, as aves estão tagarelando no volume máximo. Já da
cama identifico os gritos da saracura, o canto dos sabiás, a gritaria das
tiribas, o trinado da cambaxirra, um duelo de pichanchões. Calço os sapatos e
saio munido de teleobjetiva, caminhando em silêncio com olhos e ouvidos atentos.
Existem duas estratégias básicas: uma é ir atrás do canto mais interessante,
outra é buscar um lugar com boa possibilidade de visitas aladas: um pé de
marianeira ou goiabeira carregadas ou um arbusto florido e esperar para ver o que
aparece. De qualquer forma, a espreita amplia os sentidos e afugenta todos os
pensamentos que não sejam focar o presente. A atenção se volta para o mínimo
ruído, para a menor folha que cai, para o mínimo movimento que ocorra em nosso
campo de visão periférico, mesmo um discreto agitar da folhagem pelo vento. Os
reflexos e instintos ancestrais voltam todos, vindos de partes do cérebro
adormecidas pela civilização. Não em busca de uma refeição ou para não vir a ser transformado em refeição por alguma fera. Apenas em função de uma visão de um pássaro ainda não
visto ou não fotografado. Depois, com sorte, traz-se o objeto da caça capturado
no disco de memória da câmara para soltá-lo no espaço virtual do computador e
da rede. Meus destinos turísticos estão passando a levar em conta novos habitats onde eu possa ampliar as possibilidades de ver e fotografar novas aves.
Estou longe de ser o único a se
maravilhar com os pássaros e querer sistematizar essa paixão. O pioneiro mais
famoso foi John James Audubon, que inspirou a norte-americana Audubon Society . No Brasil temos o site Wikiaves, onde, quem se interessar, pode ver alguns de meus registros fotográficos amadores e muitos outros de grandes fotógrafos de talento, dedicação e equipamentos de primeira
linha. O Brasil tem 1832 espécies diferentes de aves oficialmente registradas. O Wikiaves tem mais
de 12 mil colaboradores, mais de 640 mil registros fotográficos e 38 mil
registros sonoros. Ainda existem 18 aves já observadas mas não fotografadas no
Brasil. Quem se habilita?
Algumas de minhas fotos favoritas:
Topetinho-vermelho fêmea (que não tem topetinho) em flor de marianeira. |
Saracura-do-mato |
Tiê-de-topete |
Frango-d'água-azul |
Adorei as fotos! Fui outro dia ao Wikiaves e fiquei encantada. Estou tirando fotos de aves quando vou a Friburgo, mas aqui no Rio também tenho me surpreendido vendo aves incríveis. Outro dia me dei conta que não sei diferenciá-las e fiquei impressionada. O Wikiaves vai me ajudar... Valeu pela dica! Abraços Bia Mares Guia
ResponderExcluirMuito lindo ver "esses objetos da caça soltos no espaço virtual do computador e da rede".
ResponderExcluirGostei muito da crônica pela sutileza das observações feitas e pelo modo de ver o mundo.Parabéns!
Todas estas fotos dariam umas aquarelas belíssimas. A que tem as minhas cores favoritas é a da Saracura do Mato. Aquele ultramarine e prussian ao lado do burnt Sienna, o detalhe do bico verde e uma ou outra plantinha, tudo parece formar uma combinação perfeita!
ResponderExcluirBelo texto!
ResponderExcluirAo ler a narrativa da sua espreita em busca da ave a ser focada, foi inevitável o paralelo com o pescador e sua vara de pescar, em sua pequena canoa, à espera da refeição diária. Os fins são distintos (se bem que, pensando melhor, ambos buscam alimentar-se - um de beleza para a alma e o outro de comida para o corpo), mas "as paciências" assemelham-se, né?
Bom, o que me resta? Agradecer a você por mais esta, Ralph! Um abraço!
Olá Ralph, parabéns pelo texto e pelas belíssimas fotos.
ResponderExcluirGostaria de saber se podemos compartilhar uma foto acima, do topetinho-vermelho fêmea na flor de Marianeira. Podemos compartilhá-la no frutadesabia.com.br e nossa página do facebook? Claro, com os devidos créditos que desejar caso permita essa publicação.
*Favor responder para o email zerenato@frutadesabia.com.br
Parabéns e obrigado.