Falar de Brasília é falar do Poder,
que, por se tratar do deus de muitos, vou grafar aqui com maiúscula. Taí uma
coisa que nunca fez minha cabeça. Não é difícil para mim entender a busca pelo Poder
como meio de obter vantagens financeiras ou mesmo sexuais. Há quem diga,
inclusive, que o homem só corre atrás de vantagens financeiras pensando nas
vantagens sexuais que elas podem render. Por outro lado, uma vez que os homens
não sentem maior atração sexual por mulheres poderosas, muito pelo
contrário (afinal, quem teria o falo?), desconheço as razões pelas quais algumas
delas lutam pelo Poder. Talvez para despertar inveja em outras mulheres, coisa
que, desconfio, dá a muitas mais prazer do que atrair o sexo oposto.
Lembro-me de ter lido na
adolescência, num gibi do Super-Homem, a história de um ladrão que declarava ser o mais bem sucedido e mais inteligente de todos os coleguinhas de profissão. Ninguém acreditava
nele. Suas geniais habilidades criminosas não eram do conhecimento de ninguém:
seus golpes eram tão perfeitos que não eram nem percebidos e, quando eram, ninguém
era capaz de descobrir o culpado. Não
era perseguido pela polícia, não tinha mandado de prisão, seu nome nunca
aparecia nas páginas dos jornais. Então ele tirava vantagem do anonimato e
gastava feliz os seus “ganhos”, pensou você? Claro que não! Passou
deliberadamente a deixar pistas para se tornar conhecido, temido e odiado, mas, finalmente, comentado.
Quando trabalhei em Brasília, à
medida que o Departamento de Saúde Suplementar começou a regulamentar
os planos de saúde, afetando a vida de mais de 40 milhões de brasileiros, os
telejornais, as rádios e a imprensa escrita começaram a assediar o então ministro da saúde José
Serra, o diretor do departamento e, na ausência deles, qualquer
membro comissionado do órgão. A agenda de compromissos públicos,
palestras em congressos, declarações em rádios e até em programas de TV era
cada vez maior, e alguns de nós acabamos sendo designados para representar
nossos superiores em algumas oportunidades. Dar declarações, esclarecimentos
para a imprensa e aparecer na televisão passou a ser corriqueiro. Os famosos quinze
minutos de fama.
Donos e diretores dos planos de
saúde passaram a circular diariamente por nosso único corredor e por nossas
poucas salas no ministério. Eles e seus assessores buscavam, percebi aos
poucos, vínculos de camaradagem e amizade com qualquer um que sentasse atrás de
uma mesa naquele andar. Ofereciam inicialmente pequenos agrados: uma
bandeirinha de mesa do time de coração do incauto, um pacote de castanhas de
caju, uma garrafa de licor de pequi, qualquer lembrancinha típica de seu estado. Coisinhas miúdas,
aparentemente inocentes sinais de amizade. Mas sabiam sentir quando alguém mordia a
isca, geralmente depois de picado pela mosca azul. Não exploravam necessariamente a má fé, mas a
simples e humana vaidade de se sentir bajulado e poderoso, mesmo que em função
de um poderzinho de bosta. Numa troca não explícita, desejavam informações e
facilidades. Um funcionário comissionado, pessoa honesta e bem intencionada, numa
viagem oficial representando o diretor para uma palestra em outro estado,
aceitou que um plano de saúde gentilmente custeasse a passagem e a estadia de
sua esposa. Um misto de vaidade e ingenuidade que lhe custou o cargo.
Outras lições que aprendi por lá
foram as de fidelidade e hierarquia. Eu fora incumbido de ser o interlocutor dos consumidores
de planos de saúde e receptor de suas queixas, que compilava e encaminhava para
o nosso diretor. Passei a tentar convencê-lo de que alguns argumentos dos
consumidores contra as novas regras eram pertinentes. Eventualmente, algumas
dessas queixas foram entendidas como justas e as regras foram alteradas. Nesse ínterim, porém, por mais de uma vez defendi para o público externo a posição oficial do
departamento, da qual discordava internamente. Mas só internamente.
A busca do Poder pelo Poder
realmente é incompreensível para mim. Há até os que perdem dinheiro em troca de
tornar-se poderoso, seja como presidente, diretor, síndico ou suplente de
conselho fiscal de clube de biriba. Um amigo fez questão de “candidatar-se”,
mediante pagamento de determinada quantia, a membro de uma obscura academia brasileira
de medicina ou algo que o valha. Uma instituição de semi-múmias de fardão, sem
nenhum peso científico ou político. Acabou “eleito”. “Comprei um título de
conde”, confidenciou-me.
Gostar de ser bajulado em função do cargo ou título é
como acreditar em juras de paixão eterna saídas da boca de um amor de aluguel. É iludir-se de que
os rapapés e elogios são dirigidos à pessoa e não ao cargo. Tire-se o cargo,
deixe-se a pessoa, sobra o quê? Como dizia uma velha tia: “O homem subiu, todo
mundo viu; o homem caiu, pqp”.
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