Tudo bem então, vamos deixar as coisas bem claras. Nossa relação não
passa de um exercício de narcisismo mal disfarçado. Vai dizer que não percebeu?
Isso, dito assim, pode ser um tiro no meu pé. Mas prefiro deixar bem claro que
o que me leva a escrever e a pintar não carrega nenhum resquício de altruísmo,
muito pelo contrário. Quero mais é que você me curta, me like, me ame e, se possível ligue no dia seguinte deixando um
comentariozinho no Face ou no Blog: “Foi bom pra mim também”. Mas afinal, não é
isso que estamos todos fazendo? Não é o que você faz quando deixa aquele monte
de fotos suas com cara de inteligente e olhar cool, cercado de amigos em lugares
bacanas? Fala a verdade! Então, não me critique. É patético, reconheço, mas
toda vez que eu posto uma aquarela ou um texto como esse aqui no Blog, eu mal posso
conter a ansiedade para verificar quantos acessos teve essa página que vos
fala, quantos morderam a isca e se deram o trabalho de ler o que escrevi ou
olhar o que aquarelei. Como um adolescente que fica contando quantas ele pegou
na balada. Mas, me dê um desconto, não é só isso, só pegação sem sentimento. Na verdade, fico muito
grato e envaidecido quando alguém, assim como você está fazendo agora, se dá ao
trabalho de ler um texto desse tamanho, nesses tempos de twitter e mensagens de
duas linhas, no máximo. Li outro dia que pessoas que lêem romances não passam de
um por cento da população. Leitores de crônicas e contos não devem ser mais que
três, quatro por cento. Portanto, caro leitor, você é uma pessoa rara!
Num buraco um pouco mais embaixo desse aspecto estritamente numérico,
existem duas razões mais profundas para eu (me) expor assim o que penso, o que
sinto, a maneira particular como vejo o mundo. Quero, de antemão, me desculpar
se vou chover no molhado; não fiz nenhuma pesquisa teórica sobre esse assunto que, decerto, já foi e continuará sendo assunto de zilhões de teses de mestrados e
doutorados: O que leva alguém a querer de expressar de modo artístico? Vou
responder apenas por mim. Uma razão é a perspectiva de que vamos ficar aqui no mundo por um período
bem curtinho, no qual poderemos ou não passar adiante o carma e a carga genética
que nos foi confiada para, pouco depois, não sobrar nenhum vestígio de nossa
breve e insignificante intervenção no universo das coisas palpáveis. Fazendo arte,
seja erguendo pirâmides ou escrevendo poesia na parede do banheiro da escola,
tentamos prolongar a marca de nossa passagem por uma, dez ou mil gerações. Uma forma ingênua de nos iludirmos em
relação à nossa inescapável impermanência.
E outra, que já sugeri ali acima: trata-se de uma solidão que se quer
dividir. Lançamos em forma de arte sondas atmosféricas, batiscafos abissais, naves intergalácticas
que buscam aflitas descobrir se na sua galáxia íntima, leitor, no seu outro
universo individual, existem solidões, angústias, decepções, espantos, alegrias
e felicidades como as que existem do lado de cá desse teclado. Quando o que
digo e escrevo faz eco aí do seu lado, é assim como quando a gigantesca nave
mãe reproduz o chamado musical no filme “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”:
a mensagem é um veemente SIM, eu também sinto isso, eu também tenho a mesma
dúvida, o mesmo medo, o mesmo assombro. Então, você e eu nos sentimos um pouco
menos sós.
Lembra do filme "Contatos Imediatos"? Veja o trailer:
Olá, Ralph Antunes
ResponderExcluirMuito boa abordagem: o prolongamento da existência através da arte, no seu caso escrever e pintar, com muita sensibilidade.
Um abraço
Lucia Regina
Ótimo, li até o fim sim!
ResponderExcluir()s
Flávio
Excelente texto, como sempre! Narcisos que somos, os "artistas" também demonstramos grande coragem, pois partilhamos nossa insignificância... que, oras, é bela! Beijos!
ResponderExcluirEssa "inescapável impermanência" fica mais prazerosa quando leio os seus textos, quando me deparo com a sua arte, Ralph! Muito oportuna reflexão! Belo texto! Isso só faz com que o meu SIM, do lado de cá, fique cada vez mais veemente. Continue produzindo bastante, tá? Um abraço!
ResponderExcluirGrande Ralph! Mandou bem. Todos buscamos um contato desde que nascemos. A busca não pára nunca, pelo menos enquanto vivemos. Alguns de nós, não poucos, até acreditam que farão contato depois da morte. O importante é que quando aprimoramos nossa forma de fazer contato, mesmo que o apelo seja narcisista estamos alimentando a matriz do que chamamos humanidade. Um abraço e obrigado pelo contato.
ResponderExcluir...vejo a arte como uma necessidade. Em um sentido bem amplo, cozinhar, escrever, olhar,andar, tudo tem que ter arte, a vida é uma arte. A arte, seja ela escrita ou outra forma qualquer de expressão nos proporciona os encontros e descobertas de novos horizontes em nosso interior, muito mais que no exterior. Uma única certeza,a vida é uma aventura da qual jamais sairemos vivos, então vamos viver com arte rsrsrsrsrs Mas sinceramente jamais me passou na cabeça a imagem que um dia minha arte ficará por aqui...Vo refletir sobre isso ! Seus textos são ótimos ! :-) Abçs
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