Malcom McDowell como o psicopata de "Laranja Mecânica" |
A novela “Amor à Vida”, que
acabou ontem, tentou incluir na trama diversas questões polêmicas tais como
amor homossexual, barriga de aluguel, amor entre palestino e judia, AIDS, mal
de Parkinson, sadomasoquismo, amor entre homem jovem e mulher mais velha, entre
mulher nova e homem mais velho, autismo e muitos outros, sem conseguir aprofundar
a discussão de quase nenhum deles. Mas expôs um tema que é figurinha fácil em
qualquer novela que se preze e quase sempre responsável pela trama principal
dos roteiros, a meu ver, mais polêmico e perturbador que qualquer outro: o
psicopata.
Tínhamos aparentemente dois deles
em “Amor à Vida”: Félix e Aline. Quiseram os roteiristas que um deles
abandonasse o comportamento psicopata depois de uma overdose de derrotas e
outra maior ainda de amor incondicional. Félix, na novela, acabou se
regenerando. O que concluir disso? Que um psicopata é capaz de se redimir caso
receba, enfim, o amor que não recebeu na infância? Não creio. Pode-se concluir
apenas que Félix, afinal, não era um psicopata.
Já a personagem Aline seguiu até
o fim o roteiro verossímil do psicopata: era incapaz de amar quem quer que fosse,
nem mesmo seu próprio bebê; nunca deixou que qualquer sombra de compaixão a
desviasse de seus objetivos mesquinhos; mentiu até o final e jurou inocência
diante de todas as evidências em contrário. Aline não se compadece de ninguém
porque simplesmente não tem a capacidade de se compadecer. Compaixão é algo que
ela simplesmente não consegue entender e, não entendendo, só consegue
interpretar como fraqueza.
Li dois livros sobre o assunto:
“Sem Consciência – O Mundo Perturbador dos Psicopatas que Vivem Entre Nós”, do
psiquiatra forense Robert D. Hare e “Meu Vizinho é um Psicopata”, da psicóloga
Martha Stout. O primeiro, por força da profissão do autor, trata do assunto da
perspectiva da Justiça, enquanto o segundo aborda a questão do ponto de vista
de vítimas de psicopatas deitado(a)s no divã (psicopata não faz terapia, a não
ser para enganar a plateia). A leitura de dois livros, claro, não torna ninguém
especialista no assunto, mas serviu-me para lançar luz nesta questão sombria e aterradora.
Psicopatia, sociopatia e distúrbio
de personalidade psicopática são algumas das designações de uma desordem de personalidade caracterizada em
parte por comportamento antissocial recorrente, diminuição da capacidade de
empatia ou remorso e baixo controle comportamental ou, alternativamente,
dominância desmedida. Dito desta forma, parece tratar-se de uma patologia rara
e distante da nossa realidade. Longe de ser assim. Os especialistas estimam que
algo em torno de 2% da população exibe traços de personalidade psicopática em
maior ou menor grau. Em outras palavras, de cada 50 pessoas que você conhece,
uma é psicopata. Pode ser o vizinho, o colega de trabalho, um parente ou até
mesmo seu filho. Ou talvez você seja um deles! E não adiantaria negar:
psicopatas dificilmente se reconhecem como tal.
Quando falamos de psicopatas, logo pensamos em criminosos, serial killers, tiranos cruéis ou tigres
inescrupulosos do mundo empresarial. Fossem apenas esses, não seria tão difícil
reconhecê-los. Mas o psicopata pode ser a colega fofoqueira e mentirosa que
quer passar a perna na concorrência para subir na carreira, o sócio que
trabalha pouco e desvia dinheiro da empresa ou ainda o marmanjo que tem sempre
uma desculpa para não parar em emprego e viver eternamente à custa da mulher ou
dos pais, sem se incomodar nem um pouco com isso (o psicopata pé rapado e sem
ambição).
Mas como identificá-los?
·
Psicopatas
são sedutores, simpáticos, bons de conversa, extremamente atenciosos e corteses
quando é de seu interesse;
·
Mentem
compulsivamente, mesmo quando não há motivo algum para isso, e continuam
mentindo quando são desmascarados;
·
Têm
apetite sexual exacerbado;
·
Sabem
simular emoções quando lhes convém, mas nunca se emocionam efetivamente a não
ser quando contrariados, situação em que podem ser tornar violentos e cruéis;
·
Em
relação às emoções, agem como atores convincentes, mas, para o olho treinado,
eles parecem “conhecer a letra, mas não saber a música” no que se refere a
expressar sentimentos;
·
Têm
baixa tolerância à frustração;
·
Frequentemente
buscam posições de poder para terem ampliada sua capacidade de manipulação;
·
Parecem
admiravelmente capazes de manter a calma diante de ameaças que deixariam a maioria
em pânico, uma vez que o medo praticamente inexiste em suas mentes;
·
Consequentemente,
expõem-se rotineiramente a situações de risco, uma das únicas formas em que
conseguem experimentar alguma emoção. Por não terem medo de assumir riscos,
podem impressionar legiões de admiradores e seguidores;
·
Tendem
a exagerar seus feitos e qualidades e seus currículos são recheados de mentiras
que a maioria das pessoas comuns nem sonha em questionar;
·
São
incorrigíveis e insensíveis aos apelos alheios.
Enfim, essas características fazem com que deixem um rastro
de destruição, prejuízos, frustrações e corações partidos por onde passam. Isso
quando não deixam gente literalmente ferida ou morta.
A psicopatia parece estar ligada a um tipo de deficiência cerebral
traumática ou herdada, podendo ser ou não desencadeada ou exacerbada por um
histórico familiar conturbado. A psicopatia levanta graves questões morais e
legais. Do ponto de vista religioso, é perturbador considerar que certas
pessoas são, de forma inata, incapazes de desenvolver compaixão e
arrependimento. Isso estaria simplesmente além de suas capacidades. Neste caso,
de um ponto de vista religioso, como se poderia explicar que um Deus justo
criasse pessoas irreversivelmente destinadas ao inferno? Já a nível terreno, do
ponto de vista legal, a psicopatia poderia ser considerada um distúrbio mental
que privaria um criminoso de distinguir entre o bem e o mal? Sendo assim,
poderiam ser considerados inimputáveis? Na verdade, os especialistas afirmam
que eles sabem perfeitamente a diferença entre o que é certo e o que é errado.
E que eles tomam decisões sobre o que fazer baseados apenas nas possibilidades
de serem pegos, não no eventual sofrimento que seus atos possam gerar para
terceiros.
Basta assistirmos o noticiário para verificarmos que
diariamente alguém sem escrúpulos inventa uma nova fórmula para tirar vantagem
de pessoas honestas e crédulas. Diante de um psicopata com uma arma apontada
para sua cabeça, é completamente inútil argumentar que você tem filhos pequenos
que precisam de você: ele não tem a capacidade de entender sua argumentação nem
de se colocar em seu lugar. Um jovem psicopata na família frustra todos os
esforços e as melhores intenções de seus pais e parentes de direcioná-lo a um
caminho responsável e honesto, deixando-os eternamente se perguntando onde foi
que falharam. Uma mulher casada com um psicopata passa anos ou toda uma vida
oscilando entre acreditar nas desculpas e nos carinhos que a levam a mais uma
vez submeter-se sexualmente ao parceiro ou repudiar o comportamento cruel,
promíscuo, mentiroso e violento que tanto a faz sofrer.
O cinema e a literatura estão recheados de psicopatas que nos
intrigam e nos perturbam: o cruel Hannibal (Anthony Hopkins em “O Silêncio dos
Inocentes”), o sedutor Frank Abagnale Jr.
(Leonardo di
Caprio em “Prenda-me se for Capaz”), o inescrupuloso Jordan Belfort
(novamente di Caprio em “O Lobo de Wall Street”), o inquieto, sedutor e irresponsável
Dean Moriarty, de “On the Road”, e tantos outros. Mas
não se iluda: se eles foram retratados na arte é porque existem na vida real.
Certa vez uma amiga separada confidenciou-me sua dificuldade
em entender o porquê de seu ex usar de todos os subterfúgios possíveis para
negligenciar atenção e dinheiro de pensão para os três filhos que ela tivera
com ele, por mais que a situação financeira dele fosse confortável. Eu tinha
acabado de ler “Meu Vizinho é um Psicopata” e identifiquei imediatamente qual
era o problema com o sujeito. Dei-lhe de presente o livro. A leitura levou-a finalmente
a desistir de esperar dele aquilo que ele não tinha nem nunca tivera: capacidade
de dar amor e empatia aos filhos. Foi uma libertação. Tenho outra amiga que
teve por companheiro um homem bonito e sedutor, cuja única estratégia de vida ainda
é representar o papel de pobre cachorrinho abandonado para viver na aba de uma
companheira crédula, sem nunca ter que pegar no batente. Ele se diz um artista
plástico (medíocre) esperando ser finalmente descoberto pelo público e pela
crítica. Uma vez um amigo conseguiu que ele expusesse em uma galeria badalada.
Para não correr o risco de ter sua estratégia desmascarada, ele sabotou a
própria exposição.
Eles (e elas!) estão por aí, dizendo-se seu amigo, que estão
apaixonados por você, que têm um excelente negócio a lhe propor, ou
simplesmente apontando-lhe uma arma. Não perca tempo argumentando com eles. O
melhor é manter-se a uma distância segura.
Muito interessante e oportuna esta crônica! geralmente os psicopatas são caricatos e nós temos dificuldade em aceitar que estas pessoas são incapazes de sentimentos verdadeiros, até por que são inteligentes o suficiente para representá-los quando lhes convém.
ResponderExcluirE quando manter uma distância segura não for uma opção???
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