Você pagaria por uma bolsa Prada sem etiqueta? |
Existe uma lâmpada de filamento
incandescente, tipo aquelas comuns com bulbo de vidro que tínhamos até há pouco tempo em nossas casas, que está acesa quase ininterruptamente no Posto Número 6 dos
Bombeiros na cidade de Livermore, norte da Califórnia, desde 1901. Foi concebida
e fabricada por Adolphe Chaillet, que a batizou de “lâmpada do centenário” (centennial bulb). A fábrica da centennial bulb fechou poucos anos
depois de sua fundação, enquanto as lâmpadas incandescentes comuns suas concorrentes, que
queimam em média após um ano de uso, continuaram a ser fabricadas por de mais
de cem anos, dando emprego a milhares mundo afora, recolhendo muitos milhões em
impostos e enriquecendo donos e acionistas da indústria de lâmpadas.
As lâmpadas, assim como quase
tudo que a indústria de massa produz e nós compramos, saem de fábrica com o que
se chama de “obsolescência programada”, ou seja, são propositalmente projetadas
para estragar em curto período de tempo. Da mesma forma, a indústria da moda
determina que aquela roupa em estampa floral linda que você comprou neste verão
não estará mais em moda no próximo. Não que a roupa que será lançada para o
próximo verão vá ser mais bonita, mas há de ser necessariamente diferente. Caso
você insista em continuar usando a mesma por dois ou mais anos, há grande
chance de você vir a se sentir desconfortável quando todas as suas amigas
estiverem usando tecidos com cores fosforescentes, por exemplo, caso a
indústria decida que cores fosforescentes passarão a ser o must da próxima temporada primavera-verão.
Assim como a roupa, os carros
poderiam ser construídos mais resistentes ao desgaste e à ferrugem. Você pode
querer ir contra a corrente, fechar os olhos às mudanças cosméticas e o
contínuo acréscimo ano a ano de diversos “pra que isso” nos modelos novos, e
manter seu carro em uso por, digamos quinze ou vinte anos. Mas vai então se
deparar com o preço absurdo das peças de reposição. Já se calculou que, se
alguém resolvesse comprar um automóvel desmontado peça por peça no balcão da
concessionária, este custaria 70 vezes mais caro que o carro pronto na loja.
Nossa sociedade industrial está
inteiramente apoiada neste mecanismo de produção cada vez maior, com consumo
progressivo de matérias primas e de energia, o que tem como consequência mais impacto sobre o meio ambiente. Governantes enchem o peito quando
podem anunciar que o PIB (produto interno bruto) cresceu tantos por cento ao
fim de cada ano. Todos comemoram, as bolsas de valores sobem, o empresariado
fica otimista, os bancos emprestam mais dinheiro e o povo sente-se encorajado a
consumir mais e a endividar-se. Caso contrário, se a economia passa um ano
produzindo exatamente a mesma quantidade de bens e serviços que havia produzido
no ano anterior é um deus-nos-acuda. Num país onde a população esteja em
crescimento, entende-se a necessidade de se aumentar a riqueza a ser dividida
entre um número crescente de pessoas. Porém, mesmo em países ricos com
população rica, estável ou decrescente como Itália e Japão, a estagnação do PIB
pode derrubar governos.
Afinal, onde queremos chegar?
Enriquecimento crescente e sem limite é um objetivo razoável para atrelarmos
nossa sociedade humana? Para atrelar nossa vida particular?
Infelizmente, mesmo as camadas
mais pobres e menos esclarecidas acreditam que o caminho é esse. Dentre as
muitas motivações atribuídas aos recentes "rolezinhos", uma delas era o desejo
dos jovens da periferia de consumir como as pessoas no alto da pirâmide social e
ostentar coisas como correntes grossas de prata, bonés, tênis e jeans de grifes
caras, muito mais caras do que seria razoável para o orçamento apertado de seus
pais. Fiquei chocado assistido mais de uma entrevista desses pais mostrando o
guarda roupa recheado de roupas caras de seus pimpolhos, contando com orgulho como
eles se sacrificavam em horas extras para poderem proporcionar aos filhos a
oportunidade de se destacarem na turma. Vivemos uma cultura de ostentação em todos os níveis sociais, cada classe ostentando como pode, seja com um correntão de prata e um boné de grife, seja com um carro de 220 cavalos que custa centenas de milhares de reais.
Os governos socialistas acreditam que suprindo as necessidades básicas para que o cidadão e as famílias possam viver com dignidade a criminalidade reduz-se necessariamente. Esta crença baseia-se na premissa de que o pobre, como um bom selvagem, pratica o crime unicamente para atingir condições dignas de vida. Não é isso que a prática demonstra, a meu ver. Apesar de nos últimos anos dezenas de milhões de brasileiros terem deixado a pobreza e a miséria, os índices de criminalidade não param de subir, constatação que deve deixar os mentores intelectuais desses governos intrigados, decepcionados e com um mal disfarçado sentimento de serem vítimas de ingratidão popular. Vide também o exemplo da Venezuela onde, apesar das políticas populistas, a criminalidade ascendeu ao nível mais alto da América Latina. Não acredito que a motivação maior para o crime seja a fugir da pobreza, em especial numa sociedade como a nossa, que dá oportunidades legais para isso. Vivemos em pleno emprego e, apesar das dificuldades, existe mobilidade social no Brasil. Mas o que muitos daqueles que enveredam pelo crime desejam é se destacarem através do consumo e da ostentação. E o crime e a impunidade acenam como um atalho interessante em comparação com o trabalho árduo e o estudo.
Os governos socialistas acreditam que suprindo as necessidades básicas para que o cidadão e as famílias possam viver com dignidade a criminalidade reduz-se necessariamente. Esta crença baseia-se na premissa de que o pobre, como um bom selvagem, pratica o crime unicamente para atingir condições dignas de vida. Não é isso que a prática demonstra, a meu ver. Apesar de nos últimos anos dezenas de milhões de brasileiros terem deixado a pobreza e a miséria, os índices de criminalidade não param de subir, constatação que deve deixar os mentores intelectuais desses governos intrigados, decepcionados e com um mal disfarçado sentimento de serem vítimas de ingratidão popular. Vide também o exemplo da Venezuela onde, apesar das políticas populistas, a criminalidade ascendeu ao nível mais alto da América Latina. Não acredito que a motivação maior para o crime seja a fugir da pobreza, em especial numa sociedade como a nossa, que dá oportunidades legais para isso. Vivemos em pleno emprego e, apesar das dificuldades, existe mobilidade social no Brasil. Mas o que muitos daqueles que enveredam pelo crime desejam é se destacarem através do consumo e da ostentação. E o crime e a impunidade acenam como um atalho interessante em comparação com o trabalho árduo e o estudo.
Ostentar e utilizar-se de objetos
para sinalizar posição elevada na sociedade não é coisa recente. As
pirâmides nada mais são do que pedras colocadas
sobre um defunto para que seu corpo não seja devorado por animais carniceiros. Os nobres egípcios queriam que seu monte de pedras fosse mais alto, e mais
alto, e mais alto. Deu no que deu. Pura ostentação. Pirâmides são assombrosas de se ver, mas de sentido
prático no mínimo discutível.
A indústria sabe muito bem que
não compramos apenas o que nos é necessário. Compramos para sinalizar, para
passar uma mensagem simbólica sobre quem somos, no que acreditamos, quais são
nossos valores, qual nosso poder aquisitivo. Pode-se comprar uma picape “big
foot” de consumo escandalosamente antiecológico de combustível, ou mel de agave
mexicano mais plâncton enlatado da Antártica. Dois exemplos de coisas pouco
práticas, para não dizer irracionais, que são vendidas para pessoas que se
dispõem a pagar muito caro para passar sua mensagem aos outros. No caso,
mensagens opostas em certo sentido. Um anúncio de um automóvel Jaguar pode
aparecer em um veículo de comunicação destinado a pessoas que nunca terão meios
para comprar um deles. Mas a ideia por trás daquela foto clean de uma mulher
linda diante do carro, coberta de joias caras e fazendo aquele olhar entediado
de “eu não sou para o seu bico” é justamente sinalizar que a marca é para
poucos. Essa atribuição de exclusividade permite que o automóvel, independente
de suas atribuições técnicas objetivas, possa ser vendido com lucro
percentualmente muito superior ao obtido pela venda de um modelo popular.
Mesmo os carros populares podem
servir como sinalização de status. Há pouco acompanhei o caso de um casal classe
C, cujo sonho declarado era construir mais um quarto em sua casinha, para que
os dois filhos pudessem deixar de dormir na sala. Um belo dia vieram me contar
orgulhosos que tinham acabado de trocar seu carro 1998 por outro com um ano de
uso, pagando na troca um valor que teria sido mais que suficiente para ampliar
a casa. Não conseguiram entender a minha reação de espanto e decepção.
Há os que argumentam que os itens
mais caros são de melhor qualidade. Mas que mulher compraria uma bolsa Prada ou
Louis Vuitton, mesmo com um desconto razoável de, digamos, 15 por cento, se ela viesse
sem qualquer identificação externa e bem visível da marca?
Todos entendem o quanto de dinheiro
custam estes símbolos. Poucos se dão conta do custo do dinheiro gasto. O dinheiro pode ser muito caro. As horas
adicionais que trabalhamos para pagar o cartão de crédito, as responsabilidades
extras que assumimos no trabalho, os cursos de pós-graduação noturnos a que
nos sujeitamos apenas com o intuito de galgar mais um ou dois degraus na
carreira, a disponibilidade sete dias por semana para o trabalho, mesmo nas
horas que deveríamos dedicar exclusivamente à família, ao convívio social
desinteressado e ao ócio criativo têm um valor muito elevado, que talvez não
valha o dinheiro que nos dão em troca.
O Lama budista brasileiro Padma
Samten gosta de provocar nesta matéria dizendo que se as pessoas trabalhassem
trinta por cento menos e gastassem cinquenta por cento menos elas teriam tempo
e dinheiro sobrando.
Há alguns anos decidi que já
tinha mais do que o suficiente, em termos materiais, para ser feliz. E que se acaso
eu não fosse feliz não seriam mais bens materiais que iriam me trazer
felicidade. Gosto de sinalizar para mim mesmo e para os outros essa decisão e
essa crença. É um exercício de racionalidade no consumo, mas também funciona
como uma piada ideológica. Nossa torradeira, uma brava Faet (não estou bem
certo, pois a marca impressa já se apagou há muito tempo) tem 29 anos de uso
ininterrupto. Recentemente a salvei mais uma vez do lixo trocando o fio fraturado
da tomada. Nosso automóvel tem treze anos de idade (doze conosco), e 214 mil Km
rodados. Tenho apenas um relógio, um bom modelo suíço, simples e de aço, que
fica bem tanto em um casamento como na praia. Meu celular é um minúsculo Nokia
todo descascado, que me acompanha há cinco anos, não faz volume no bolso, não
quebra quando cai e funciona perfeitamente. Talvez por isso eu possa me
permitir não trabalhar a partir de sexta depois do almoço, ter tempo para escrever
este artigo, pintar aquarelas e ler boa literatura sem ter que esperar pela
aposentadoria. Gosto de trabalhar, mas gosto de fazer muitas outras coisas
também.
Não sei o que aconteceria com a
economia global se todos decidissem consumir 20 por cento menos de um dia para
o outro. A Natureza agradeceria muito. Provavelmente as editoras venderiam mais
livros, os cinemas, as praias e os parques teriam sua frequência aumentada. A
indústria automobilística, entre outras, sofreria um baque que geraria
demissões em massa. Mas talvez isso fosse compensado por um aumento no número
de empregos nas atividades de lazer. Não descobri até hoje nenhum estudo sério
sobre a matéria e aceito indicações.
Para terminar: Uma manhã dessas
atendi Dona Luzia, uma paciente negra e bem humorada em seus setenta e poucos
anos. Não lembro bem porque, ela começou a me contar sobre sua infância passada
no sítio dos avós, numa aldeia no município fluminense de Silva Jardim. “Minha
avó plantava arroz, milho e feijão. Tínhamos horta, criação de galinhas, porcos
e duas ou três vaquinhas. Fome, nunca passamos. A criançada não tinha brinquedo,
a não ser uma bruxa de pano que vovó fazia e bonecos que inventávamos com
sabugo de milho e uns gravetos que espetávamos neles. Brincávamos de pique, de
esconde-esconde, pescávamos no rio e subíamos nos pés de fruta com canivete no
bolso. Acho que éramos pobres. Mas a gente não sabia disso e era feliz.”
* O livro "Darwin Vai às Compras", de Geoffrey Miller, traz muitos outros insights interessantes sobre as motivações do consumo.
* O livro "Darwin Vai às Compras", de Geoffrey Miller, traz muitos outros insights interessantes sobre as motivações do consumo.