Passei a virada
do ano na roça. À meia noite alguns vizinhos estouraram rojões, teve até alguns
daqueles chuveiros coloridos. Fiquei pensando que aquilo devia estar acordando
os passarinhos, assustando as corujas e atazanando os cachorros, que latiam
nervosos. Éramos apenas quatro, em contraste com os milhões reunidos em
Copacabana. Estouramos um espumante na varanda, nos abraçamos e desejamos aquelas coisas
boas e banais que a gente sempre deseja nessa hora, sem pensar muito no
assunto. Depois, apagamos todas as luzes da casa e fomos descalços para o gramado, torcendo para não pisarmos em nenhum formigueiro. Então, ficamos olhando para o céu. À medida que os olhos iam se acostumando com o
breu, mais e mais estrelas se deixavam ver. Passamos ali uns vinte minutos,
até o pescoço começar a doer. Depois fomos dormir. Foi bom.
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Nessa época, um
dos temas mais abordados na imprensa e na TV, mais comentados nas rodas de fim
de ano são as chamadas “resoluções de ano novo” ou, como dizem lá em Rio Bonito
de Cima, a “wish list”. Confesso que
fiquei um pouco curioso, decepcionado comigo mesmo talvez, com o fato de não
conseguir imaginar nada que eu realmente deseje mudar mediante um ato de força
de vontade e determinação. Exercício físico e perda de peso, por exemplo, itens
onipresentes nas listas de fim de ano, não estão em minha lista inexistente.
Acho que é pura sorte genética, mas meu peso hoje é seis quilos maior de quando eu
terminei a faculdade, quando eu era magérrimo (magérrimo sempre me soa como
sendo alguém nascido em Magé). Estou dentro da faixa saudável de peso. A barriga
não é mais um tanquinho, mas também não chega antes de mim aos lugares onde vou,
em boa parte porque eu bebo com bastante moderação, como idem, sem ter que me
esforçar muito para isso. Se bem que atualmente passei a ter que restringir a apenas
um o pãozinho da manhã e a beber apenas água no almoço. Mas minha mulher acha que
eu estou ótimo, o que é um argumento definitivo. Caminho acelerado trinta
minutos por dia, sete dias por semana, consequência de meu compromisso com
Otto, meu personal trainer canino.
Não me atrevo a me obrigar a frequentar academia, seria fracasso garantido.
Quero continuar lendo regularmente, coisa que já faço por prazer, escrevendo
para meus cinquenta e três leitores (contagem oficial de seguidores do blog) e pintando
umas aquarelinhas enquanto isso me der prazer. Também planejo conhecer mais um lugar
que eu ainda não conheça, coisa que temos conseguido cumprir também com prazer.
Que bom, não preciso parar de fumar porque nunca vi graça na coisa, não preciso
beber menos porque bebo pouco, não preciso emagrecer e não estou negativo na
conta corrente. Que sorte a minha (e um pouquinho de juízo também).
Se eu me esforçar
para resumir meus desejos, talvez eu deseje isso: que eu e você aceitemos que
as coisas nem sempre acontecem como desejamos, que merdas acontecem, que estamos
envelhecendo e que vamos morrer mais dia menos dia. Que isso não é culpa de
ninguém: nem do patrão, nem do governo, nem do marido/esposa, da mãe ou do pai
ou de qualquer outra pessoa. Que nunca teremos controle total sobre as
circunstâncias. Portanto, enquanto não morremos, não vale a pena sofrer esperando que o mundo
se ajuste às nossas expectativas, por mais elevadas que elas sejam, e talvez justamente por isso.
Que você
e eu entendamos e aceitemos que todas as pessoas só estão tentando ser felizes,
e que nem sempre elas entendem que agir prejudicando os outros não faz ninguém feliz,
o que é uma ignorância lamentável, para elas próprias inclusive.
Que tenhamos
paciência conosco mesmos e com os outros. Que não tenhamos medo de, na hora de
decidir quem será o primeiro a dar antes de receber, sejamos os primeiros
sempre, de coração aberto, aceitando de antemão que talvez não tenhamos retorno.
Mas certamente teremos muito mais retorno do que se ficarmos esperando que o outro
dê o primeiro passo. Isso pode ser mais poderoso e desencadear mais mudanças no
mundo que passeatas ou protestos indignados.
Eu não nasci
sabendo isso. Mas tive a boa sorte de cruzar com pessoas e mestres que me
mostraram isso, pelo exemplo e por palavras, faladas ou escritas. Tento me lembrar sempre
dessas verdades, mas às vezes me distraio e ajo como se não soubesse. Outras vezes eu me lembro, e, nessas horas, eu posso afirmar: funciona.
Muito bom, parabéns! Eu ainda preciso de uma wish list (emagrecer, só os 2kg femininos usuais), mas vou chegar a seu estágio de aprimoramento espiritual-profissional-amoroso-pessoal ;-)
ResponderExcluirMuito boa lista para relembrarmos! !
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