(clique nos links em "laranja" para ver cenas dos filmes)
Entre as grandes cidades
americanas, apenas Nova York rivaliza com São Francisco em termos de apelo
cultural e charme, em minha opinião. E sendo relativamente pequena (800 mil
habitantes) quando comparada a outras grandes cidades de destino na América,
torna-se mais amigável e acolhedora. A simples perspectiva de ver a Golden Gate
Bridge já era razão mais que suficiente para desejar conhecê-la. Ver de perto a
locação onde Kim Novak se joga nas águas geladas da baía bem debaixo da ponte e
é resgatada por James Stewart em “Vertigo” (“Um Corpo Que Cai”), descer pelas mesmas
ladeiras e lombadas por onde Steve McQueen fez uma das mais alucinantes
perseguições automobilísticas da história do cinema em "Bullit" (duelo de V8s: Charger x Mustang) ou ficar defronte a uma das
casinhas vitorianas onde Robin Williams foi trabalhar como babá dos próprios
filhos caracterizado como Mrs. Doubtfire em “Uma Babá Quase Perfeita” eram
outros desejos a serem realizados. Gosto de fazer e recomendo que o leitor
também experimente: assistir quantos filmes puder ambientados na cidade ou
região que se vai visitar, seja ela Paris (“Antes do Por do Sol”), Nova York (“Tiros
em NY”, de Woody Allen) ou a Toscana (“Sob o Sol da Toscana”) por exemplo. É uma
maneira de preparar o espírito e ambientar o coração com antecedência.
Quando finalmente nos vemos na mesma locação, a sensação é de estarmos vivendo uma cena de filme, só que real.
Além de cenários famosos, São Francisco tem
uma história movimentada. Foi fundada a partir de uma missão de padres
franciscanos espanhóis junto à povoação
de Yerba Buena em 1776. Já anexada pelos Estados Unidos depois da guerra
contra o México, foi sacudida pela corrida do ouro quando este foi
descoberto logo ali na Sierra Nevada em 1849 (daí o nome do time de futebol
americano local ser “San Francisco 49ers”). Aventureiros de todo o mundo acorreram
à Califórnia, inclusive milhares de chineses e japoneses. Outro sacolejo, este
mais violento, aconteceu em 1906: o famoso terremoto que, com o incêndio de
três dias que se seguiu, destruiu três quartos da cidade. Rapidamente
reconstruída, São Francisco foi a principal sede naval americana no Pacífico durante
a Segunda Grande Guerra. Todos os japoneses foram então expropriados e trancafiados em campos
de concentração (poucos retornaram à cidade depois) e uma forte migração negra
do leste veio trabalhar nos estaleiros. Depois da guerra, a cidade, já tão
cosmopolita, passou a atrair artistas, músicos e escritores, inclusive muitos
daqueles que estavam na Europa nos “anos loucos”. Estes lançaram os alicerces
do que viria a se tornar a capital americana da contracultura, da geração “beat”
dos anos 1950, dos hippies dos 1960 e da comunidade gay americana nos anos
1970-80. Talvez não seja apenas coincidência o nome do primeiro povoamento ter sido
Yerba Buena (erva boa).
Cada etapa dessa história conturbada
deixou sua marca: o centro da cidade exibe arranha-céus à prova de terremotos e
casinhas vitorianas no mesmo enquadramento de câmara. A maior Chinatown americana,
onde se pode comprar comidas que a maioria de nós jamais poria na boca, como
pepino do mar seco, faz divisa com North Beach, o bairro italiano (a única fronteira sino-italiana
do mundo) com seus inferninhos e bares de música ao vivo. Castro, o bairro da comunidade GLBT, sediou as pioneiras manifestações na luta pelos direitos
civis dessas minorias e foi cenário da primeira passeata do orgulho gay do mundo. Fica aos pés dos Twin Peaks, imortalizados
pela série de David Lynch. Em suas ruas pacatas, as vitrines exibem “consolos”
em todas as cores, texturas e tamanhos emoldurando cartazes de shows eróticos,
tudo ao lado de prosaicas mercearias de bairro e cafés convidativos. Um deles
homenageia Harvey Milk (imortalizado no filme “Milk”), o primeiro político
assumidamente gay dos Estados Unidos. Em Ashbury Heights o "flower power" está vivo e se
mexendo: lojas de ervas exalam
baratos, outras vendem saias ciganas e camisetas "tie&die" ao lado de
estúdios de piercing e tatoo. Tem ainda a livraria Bound Together, especializada em
títulos anarquistas e afins. Mais badalado, o Fisherman’s Wharf, antigo
entreposto pesqueiro, virou uma espécie de arapuca-de-tirar-dinheiro-de-turista,
mas dali se pode partir em uma bicicleta alugada até a Golden Gate, inclusive
atravessando-a em direção a Salsalito, se você estiver disposto e em forma. Ali
também se pode saborear a cremosa e autêntica “clam shouder” (sopa de
frutos do mar) servida em cuia de pão italiano na padaria Boudin, onde pães
que seguem a mesma receita trazida da Itália na época da corrida do ouro perfumam
todo o quarteirão e provocam filas que se estendem pela calçada quase o dia
inteiro. Dezenas de leões marinhos descansam e fazem barulho nas balsas de
madeira construídas especialmente para atraí-los. Abstraindo o burburinho dos
turistas, é possível saborear de graça a brisa fria e úmida que vem do Pacífico
para formar os densos nevoeiros que alternadamente encobrem e revelam as cores
avermelhadas da Golden Gate, ouvir o pio incessante das gaivotas, apreciar a
visão dos veleiros que passam em alta velocidade e o voo em fila indiana dos
albatrozes diante da ilha de Alcatraz, tudo isso sem gastar um "dime".
(continua)
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Casas vitorianas (essas são as "Painted Ladies") e arranha céus. |
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Alimentos inusitados em Chinatown. |
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Bairro Castro: O estandarte do arco-íris foi criado em São Francisco. |
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O flower-power ainda manda em Ashbury Heights. |
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O novo e o velho em harmonia. |
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Fim de tarde próximo ao Fisherman's Wharf: curtir a brisa, a vista de Alcatraz, os veleiros e as aves marinhas é de graça. |
Gostei, Ralph! Turismo no estilo hippie, né? Sem gastar um dime...
ResponderExcluirMuito boas dicas!!! E as fotos estão especiais, mostram bem o seu olhar sobre a cidade!
Pensa em rever os filmes? Sou adepta da sua prática de preparação do espírito e ambientação do coração, mas gosto ainda mais da sensação de rever o local. Espero passar um certo tempo após o retorno às terras canarinhas e pego o filme para assistir. Parece que estou passando novamente pela locação, revivendo os bons momentos...