A coisa começou assim. Aquela tática feminina, feito drible do Neymar: você sabe que vai ser driblado, sabe para que lado vai sair o drible, mas não consegue evitar. Sempre que tínhamos mais de seis à mesa, minha mulher preparava o terreno. Primeiro um suspiro. Depois, em tom de lamento:
“Esta mesa é tão apertada...”
Você finge que não entendeu, continua falando de outra coisa, mas é em vão. O jogo endurece:
“Esta mesa não dá. Assim que puder eu vou querer trocar por uma maior.”
Então você cai na armadilha. Ao invés de continuar ignorando, você resolve argumentar com a razão:
“Mas meu bem, não cabe uma mesa maior nesta cozinha. Só se a pia fosse menor.”
“Então a gente diminui a pia.”
“Mas não vamos achar azulejos iguais para repor os quebrados se mudarmos a pia...”
.Mas quem disse que a lógica e a razão fazem parte das regras do jogo?
“Se nós recebermos visitas aqui, como é que vai caber todo mundo à mesa? E quando vierem os namorados e namoradas das filhas e dos filhos, todos ao mesmo tempo? Vamos fazer escala? E quando vierem os netos? Eu gosto de mesa grande.”
Aos poucos, acabei sendo levado na conversa e eu mesmo comecei a admitir que vínhamos adiando algumas melhorias necessárias no cômodo da casa onde conseguimos congregar a família e compartilhar nosso dia a dia, nossas opiniões, angústias e alegrias. A causa era nobre, e o casamento corria risco.
Assim, fomos à obra. Para evitar problemas com pedreiros, fornecedores, e para aconselhamento na escolha de materiais, chamamos uma amiga arquiteta (recomendo sempre que se chame um bom arquiteto, uma despesa que economiza muitas outras). Discutido e aprovado o projeto, começou a quebradeira. A marretadas, arrancou-se o piso e todos os azulejos. Arrancaram a bancada da pia. Todas as tomadas elétricas mudaram de lugar. O ponto de água na pia também mudou de lugar. Arrancaram a janela. Consegui salvar as portas me acorrentando a elas por dois dias. Estamos comendo na lavanderia há duas semanas. Minhas camisas têm cheiro de alho e a comida tem cheiro de amaciante monbiju, mas tudo bem, é pela família e pelo casamento. Ontem começaram a assentar os primeiros azulejos. Já assentaram cinco. O prazo fatalmente vai estourar e o orçamento de material já estourou. Mas a minha fé na capacidade que os seres humanos têm de esquecer os momentos difíceis quando tudo acaba bem me supre de paciência e otimismo. Antes da Copa deve estar tudo pronto.
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Aqui em casa não tem ingerência do TCU – Tribunal de Contas da União - exigindo que se cumpra o orçamento. Minha mulher já impôs aqui em casa o que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) está propondo agora: que o TCU afrouxe os controles de gastos nas obras para a Copa do Mundo de Futebol e para as Olimpíadas. Que as licitações para reforma dos aeroportos e dos estádios, para a melhoria do transporte público e tudo o mais que for necessário para não fazermos feio quando os ingleses vierem ver, sejam feitas com menos controle, sem essa “frescura” de cumprir orçamentos. Dão a entender que os fiscais do TCU nunca reformaram a cozinha de casa e não sabem como a coisa funciona. Os relatores do Ipea alertam e ameaçam com o não cumprimento dos prazos se estas “providências” não forem tomadas. O filme é velho: os Jogos Pan-Americanos acabaram custando 4 bilhões de reais, dez vezes mais do que o previsto nos orçamentos iniciais.
É tudo o que os empreiteiros querem e os responsáveis pela administração das obras sonham. Afinal, eles também devem estar precisando reformar as cozinhas de suas casas, e, quem sabe, também de seus iates e de seus apês que serão comprados no Upper East Side ou em Paris.
O detalhe é que, na nossa cozinha, eu e minha mulher estamos gastando o nosso dinheiro, meu e dela. Enquanto isso, caro leitor, eles estão gastando o nosso, o meu, o seu e o dos demais contribuintes.
Mesão na cozinha é tudo de bom, né Su-su? Hahahahaha... Adorei a crônica, Ralph! Bjo grande!
ResponderExcluirAmigo Ralph, posso ver que a Sassá adorou a sua crônica, principalmente a primeira parte - antes do XXXXXX - mormente o final da primeira parte ...Antes da COPA deve estar tudo pronto. --Antes da copa vem a cozinha, certo? Ou a cozinha vem depois da copa? Bem, acho que a referência depende do ponto de vista do observador.
ResponderExcluirParabéns por mais essa deliciosa crônica e a relação do assunto doméstico com as contas da União.
Tô vivendo o momento em questão:eu só queria colocar um papel em uma Única parede do escritório de Clarinha mas como EU IA TER DE CHAMAR O COLOCADOR DESCIDI COMPRAR PAPEL PARA RENOVAR MEU QUARTO TMB E ASSIM A MÃO DE OBRA VEM DE UMA VEZ SÓ,MAS AÍ SENTI QUE ERA NECESSÁRIO FAZER LOGO A ILUMINAÇÃO DO TETO PORQUE DEPOIS FICA DÍFICIL MEXER NESSAS COISAS,ENTÃO VEIO O REBAIXO DE GESSO ,COM CORTINEIRO ,E A CORTINA VELHA NÃO FICA BEM...e já que isso ,já que aquilo...a coisa aqui ficou tomou vulto!!E com os nossos honorários tá díficil pagar mão de obra tão especializada...veja vc :o colocador de papel de parede cobra R$70,00 cada rolo!!!!
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