Minha terra tem palmeiras
onde canta o sabiá,
As aves que aqui gorjeiam
não gorjeiam como lá.
(Gonçalves Dias)
Recentemente uma rádio lançou a
pergunta para os ouvintes: Onde você gostaria de ter nascido?
Sei de muitas pessoas que,
definitivamente, foram extraviadas pela cegonha e nasceram no lugar errado. Uma
amiga, por exemplo, acaba de se mudar de Niterói para a serra gaúcha.
“Mas sua família é do Sul? Tem
parentes por lá?”
“Não, não tenho nenhum parente
por lá.”
“Então foi proposta de emprego?”
“Também não.”
“Seu marido foi transferido e
você vai acompanhá-lo?”
“Nananinanão.”
Nada disso. Ela e o marido
pesquisaram muito sobre qual seria o melhor lugar do Brasil para viver e criar
os filhos, e concluíram por uma pequena cidade vizinha a Bento Gonçalves. Ela odeia
calor e não liga para praia. Gosta de trabalhar duro e de tudo muito bem
organizado. É clara, alta, de olhos verdes e, tenho certeza, em pouquíssimo
tempo, vai estar falando na segunda pessoa: “Quando é que tu vens nos visitar,
tchê?” Um caso cristalino de alguém que sempre foi gaúcha e nasceu no Estado do
Rio por engano.
Existem alemães e suecos que
vagam perdidos pelo mundo até o dia em que desembarcam na Bahia ou no Rio de
Janeiro. Tomam contato com nosso controverso jeitinho e são tomados pela certeza de que essa nossa flexibilidade
em relação às regras é a melhor maneira de levar a vida e se relacionar, e não
aquela rigidez cartesiana e sem criatividade dos povos nórdicos. Adoram os
guardadores de carro, fazem amizade com camelôs e ficam enternecidos com os
malabaristas de sinal; deliciam-se em pendurar uma conta, saem dizendo “Aparece
lá em casa”, aprendem a chegar atrasados e derretem-se em dar beijinhos e
abraços em pessoas a quem acabaram de ser apresentados. Adotam a bermuda e o
chinelo como uniforme e procuram logo quem lhes ensine a tocar tamborim ou
berimbau.
Há também baianos e cariocas que
se irritam com tudo isso. Vivem a vida em um banzo sofrido e inexplicável até o
dia em que são despachados a trabalho para Oslo ou Frankfurt e só então descobrem
seu paraíso, sua terra natal. Nunca mais saem de lá, maravilhados com os trens
que chegam na hora, com os espetáculos que começam pontualmente, com o
cumprimento estrito de prazos e compromissos, com a neve e até com a maior reserva
no trato interpessoal. Batizam os filhos de Helmut e Ingeborg e nunca mais
voltam para os trópicos.
De minha parte, penso que sou
brasileiro e niteroiense desde muito antes de abrir os olhos nesse mundo. Como
a maioria de meus conterrâneos, percebo e lamento tudo o que nos afasta de
termos uma pátria mais mãe gentil e menos madrasta. Mas, sinceramente, não
trocaria esse país imperfeito por outra terra qualquer para viver. Não por
nacionalismo ou xenofobia. Na verdade, as fronteiras e os idiomas que separam
os seres humanos são, a meu ver, uma coisa artificial, criada e mutante, separando
os diversos patrícios da grande e única nação humana. Basta dar uma olhada na constante
dança das fronteiras na Europa nos últimos cem anos, para não irmos muito
longe no tempo.
Tem gente que, com toda razão, se
diz feliz em olhar pela janela de sua casa na Alemanha e ver bem ali onde foi
aplicado o dinheiro de seus impostos. Aqui, nem sempre é tão simples. Somos uma
civilização em construção que avança aos trancos e barrancos. Porém, sinto mais
prazer no desafio de entrar no segundo tempo de um jogo difícil para tentar
virar um placar adverso do que em fazer número em campo num jogo que já está ganho
de goleada.
De qualquer forma, ninguém
escolhe onde vai nascer. Mas pode escolher onde vai morrer. E você?