Pacific Crest Trail |
Estou sentado, aquecido, seguro e
confortável lendo um bom livro. A pouca distância de onde estou, não mais que
cinco ou seis metros, a mata se inicia e se estende morro acima. Observo a
natureza se aproximando menos tímida, quase me aceitando como parte dela. Dois
ou três esquilos saltam das árvores até o chão e de volta para as árvores: uma
saracura sente-se à vontade para esvoaçar até a bandeja de madeira onde há grãos
de milho; sanhaços, tiês, gaturamos, ferro-velhos e sabiás revezam-se devorando
bananas espetadas em um galho horizontal da grande árvore que acredito ser um
vinhático; meia dúzia de beija-flores esvoaçam ao redor da garrafa-bebedouro
pendurada na varanda; escuto tiribas, maritacas e outras aves manifestando-se
fora do alcance da vista.
Tenho nas mãos um volume de
“Livre”, obra de Charyl Strayed, que comecei a ler há poucos dias. Um daqueles
livros que às vezes compro por impulso, sem nenhuma referência anterior que o
recomende, ao explorar as bancadas e lançamentos das livrarias. Raramente me
arrependo.
A narrativa de Strayed descreve
sua caminhada e três meses pela Pacific Crest Trail – PCT (Trilha da Crista do
Pacífico), que se estende ao longo de toda costa oeste dos Estados Unidos,
desde o México até o Canadá, levando nas costas uma mochila com mais da metade
de seu próprio peso. E os motivos dramáticos que a levaram a decidir-se pela
aventura aos vinte e poucos anos: a morte prematura por câncer de sua mãe, até
então sua referência no mundo, a consequente desagregação do que restou de sua
família, a espiral de autodestruição em que mergulhara sua vida; a
promiscuidade sexual, o envolvimento com drogas, a destruição da relação que
tinha com o homem que a amava. A perspectiva da caminhada solitária surge como a
derradeira e desesperada chance de reatar relações amistosas consigo própria.
Na maior parte caminho, nada de
albergues, companhia ou constantes referências de civilização. Ursos,
cascavéis, nevascas, quedas, avalanches e o fantasma constante do encontro com um
puma a obrigam a despir-se dos papéis que até então representara como mulher
atraente e a encarar seus aspectos mais essenciais como ser humano. É também um
relato de companheirismo, solidariedade e amizade de outros trilheiros, cada um
com suas diferentes motivações.
Surpreendentemente bem escrito, a
leitura deste livro vai agradar especialmente aqueles, que como eu, têm prazer
em relatos de aventura e solidão, como “No Ar Rarefeito”, “Na Natureza
Selvagem” e no clássico “Walden, ou A Vida Nos Bosques” de H. J. Thoreau. Emoldurado
por uma paisagem grandiosa e intocada, este é um daqueles relatos onde o
isolamento e a perspectiva do valor das menores coisas, como a distância até a
próxima fonte de água potável ou um lugar firme para apoiar o pé e dar o próximo
passo, são capazes de devolver-nos a noção do que é essencial. Causou-me uma vontade
de transcender esta relação voyeurística com a natureza e me atracar com ela.
Vai que fico velho...