Ia viajar. Achei que era
hora de ter mais um pincel de barba, para deixar na bolsa de viagem e não correr o
risco de me esquecer dele, como já aconteceu. O único que tinha então era o segundo de minha
vida. Pincéis de barba, quando bons, duram muito. O primeiro, me deu meu avô,
assim que surgiram-me os primeiros pelos na cara (lembrei-me agora das vezes em
que, nos últimos de seus 96 anos, barbeei meu avô). Era da marca Batil, que não sei
se existe ainda, e fez-me pensar que todos os pincéis de barba eram assim macios.
Depois de muito uso, já ralo em pelos, pediu descanso e substituição. Custei a encontrar
outro da mesma qualidade, que uso até hoje.
Então, parti para a missão. Aproveito, pensei, e compro também um bom pente
para meu enteado, que iniciou um estágio de Administração em uma multinacional
e passou, pasmem, a sentir necessidade de ajeitar o cabelo no meio do dia. Entrei numa farmácia. Pincel de barba? Ali. Sessão de variedades: bobs de cabelo,
pentes plásticos de tamanhos variados, buchas de banho, pinças, tesouras e alicates de unha pendurados em
um display, embalados individualmente. Só havia um tipo de pincel, made in
China, com cabo de madeira e pelos brancos. Abri a embalagem e testei-o contra
o rosto. Devem ter usado como matéria prima pelos de porco espinho ou
bigode de javali. Perguntei à mocinha se havia pentes de osso. Ela me olhou
como se eu tivesse pedido equipamento para sangria, sanguessugas vivas talvez. Fui a
uma segunda farmácia, uma terceira, umas sete ou oito. O pincel chinês dominou completamente
o mercado (cadê o Cade que não vê isso?) e pentes de osso não existem mais.
Senti-me como um viajante do
tempo em seu próprio tempo. Lembro-me, eu pequeno, de assistir meu pai barbeando-se e engraxando os
sapatos, sempre pretos, diariamente antes de sair para o trabalho. Men stuff, era assim que todo homem
fazia e eu faria também quando me tornasse um homem. Tenho hoje uma caixa com graxa
marrom, preta e incolor, três escovas pequenas para espalhar cada tipo de graxa
e três escovas grandes e macias para dar brilho, além de uma flanela para o capricho. Engraxo meus próprios sapatos e, talvez por isso, eles duram muito. Faço a barba diariamente, fins de semana e férias inclusive, espalhando o creme de barbear com pincel e raspando com lâmina
descartável. Depois, gel facial ou loção pós barba. Tenho dois pentes de osso, um em casa e outro na pasta de couro que levo para o trabalho. Ambos têm, cada um, mais de dez anos de uso: são indestrutíveis. Fiquei a me
sentir um solitário, como alguém que ainda usa máquina de datilografar em tempos de
computadores. Fiz uma pesquisa informal e rápida, nesses tempos de homens de barba eternamente de três dias, que é a que mais coça. Prevalecem a espuma em spray
espalhada com os dedos ou o aparelho elétrico.
Na Itália existem pincéis de
barba bonitos e elegantes, de pelos variados, cada um mais macio que o outro.
Existem pentes de osso também. São vendidos em farmácias (que são muito
diferentes desses supermercados da saúde e da beleza feminina daqui), ou em lojas
que vendem também relógios, prendedores de gravata, charutos e cachimbos. Men stuff. São caros, mas valem o preço.
Trouxe um pincel que o vendedor disse ser de pelos de texugo. Outro pincel, pelo andar da carruagem,
só aos 75, 80 anos de idade, se precisar.