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domingo, 19 de agosto de 2012
terça-feira, 14 de agosto de 2012
sábado, 4 de agosto de 2012
Dez Anos de Um Casamento
Em abril de 2002 eu
dispunha de dinheiro suficiente para comprar um carro novo e estava disposto a
fazê-lo. Estava naquela mesma situação na qual milhões de seres humanos se
encontram todos os anos, e o que cada um decide fazer neste momento diz muito
sobre a personalidade individual, além do aspecto mais óbvio de seus recursos financeiros. Adquiri na época um Land Rover Defender 110 semi-novo,
então com apenas 15.000 km
rodados. Estou com o mesmo e único carro desde então, um casamento fiel e
monogâmico, e não tenho nenhuma intenção de trocá-lo em futuro visível. Já são
mais de dez anos de uma relação prazerosa, e o odômetro está prestes a alcançar
200.000 km .
Apesar da saúde invejável, o jipão vai ganhar de presente em breve uma revisão
caprichada, com troca do óleo do diferencial e da caixa de marchas, substituição
de algumas mangueiras e talvez umas buchas de suspensão. Nada além disso. Em todo este tempo,
ele deu pouquíssima oficina e nunca me deixou a pé na rua ou na estrada.
Ele já me levou com a família aos Parques Nacionais dos Aparados da Serra (RS), do
Descobrimento (BA) e da Serra do Cipó (MG). Não foi ainda à Patagônia, mas é
questão de tempo. Hoje fiquei me perguntando por que eu o escolhi e estou há
tanto tempo com ele. São muitas respostas.
Eu desejava um carro
que pudesse levar a minha família de seis pessoas por qualquer tipo de estrada
até os recantos mais difíceis da nossa paisagem. O Defender se encaixava nesse
perfil. Isso resume apenas as razões objetivas.
O Defender é um projeto de 1983. Suas linhas, hoje bastante ultrapassadas, são retas e passam longe de qualquer vestígio de aerodinâmica. Ostenta o mesmo jeitão de seu antecedente mais antigo, o Land Rover Série 1, lançado em 1948 na Inglaterra. No entanto, tornou-se um ícone da indústria automobilística, assim como o Fusca, o Citroen 2CV, o Jeep Willys e o Ford ModeloT. É o veículo adotado pelo Exército Brasileiro, pelas forças da Nações Unidas e por muitos exércitos de países europeus. É grande, ruim de jogo, precisa de pelo menos uma manobra adicional de vai-e-vem
para encaixar-se em uma vaga, e não cabe em qualquer vaga. A embreagem e o
freio são duros e a posição do motorista não é das melhores. O nível de ruído
interno beira o ensurdecedor e a vedação de água e poeira é sofrível. Por outro
lado, leva sete pessoas, sua suspensão quase indestrutível, seu câmbio e sua direção são
surpreendentemente macios e a tração integral nas quatro rodas garante
estabilidade invejável nas subidas e descidas de serra. É meu transporte seguro
na terra, na lama e no asfalto, muitas vezes com meio metro ou mais de água na
rua ou atravessando um riacho. Para ele, não tem tempo ruim nem estrada difícil.
Mas, claro, existem muitos outros argumentos além dos aspectos meramente
mecânicos.
Dirigir um carro
grande deixa o motorista sentindo-se um pouco superior ao restante dos mortais.
Existe um prazer egoísta e quase inconfessável ao ver motoristas de carros
pequenos emparelharem comigo no sinal e ficarem olhando com o rabo do olho o
pneuzão aro 16 e tala 265 batendo quase na altura do vidro do outro carro. Nas
bolas divididas do trânsito, em geral o “adversário” recolhe e dá passagem,
embora nem sempre. Quando usamos de gentileza e cedemos passagem, parece que
estamos dizendo: “eu sou grande e forte, mas mesmo assim serei magnânimo e vou deixar
você passar”. Pensamentos ridículos, mas reais.
Quando se dirige um
Defender na estrada, acontece uma coisa que, creio, não acontece com nenhum
outro carro. Toda vez que dois Defenders cruzam um com o outro, os irmãos se cumprimentam com
calorosas piscadas de farol. Notar que isso acontece apenas entre Defenders, e
não vale para outros modelos da Land Rover como Discoverys, Freelanders ou Range Rovers, os primos ricos e frescos.
Muito menos para Pajeros e cia. Já Toyotas Bandeirantes podem ser dignos de
nossa simpatia, até porque muitos donos de Defenders começaram por
Bandeirantes, e donos de Bandeirantes não raro sonham em ter um Defender.
Donos de Defenders
amam a lama e não têm medo de sujar seus carros, (o que não é o caso para a
maioria dos donos de Pajeros e Hilux), muito pelo contrário. Poucas coisas são
mais prazerosas que atravessar atoleiros fatais para a maioria dos outros
carros acionando quando necessário o câmbio reduzido e a trava do diferencial,
o que geralmente é dispensável. Ouvir o ronco do turbo-diesel com seu
característico acompanhamento de castanholas empurrando o veículo morro acima e
lama adentro, ir escorregando e sacolejando, girando o volante com fúria para a
esquerda e para a direita para não sair da estrada deixa a maioria das mulheres
no banco do carona dando gritinhos nervosos e a nossa adrenalina em níveis de
prazer quase sexual. E depois, o orgulho em desfilar por um ou dois dias
ostentando as condecorações de lama pelo asfalto da cidade, antes da necessária
lavada. E lavou, tá novo.
Não troco de carro
há dez anos por vária s razões. As versões mais novas do carro, além de muito
caras, têm uma série de itens de eletrônica embarcada, como ABS, controle de
tração e até sensores que informam a profundidade da água do riacho adiante do
pára-choque. Fica um sentimento de que os fabricantes do velho e tosco
mastodonte sentiram-se inferiorizados em relação a seus concorrentes mais
modernos. Mas aderir a essas modernidades implicaria em deixar de confiar nos
instintos e na habilidade do piloto em conduzir o bicho. Meio como se fôssemos
Luke Skywalker dispensando o capacete da tecnologia e confiando nos instintos
para atacar com sua nave o lado sujo da força. Além do quê, toda essa
parafernália eletrônica quando enguiça paralisa o carro e castiga o bolso. A
mecânica das versões mais antigas é bem mais simples, fácil e barata de
reparar. Existe ainda um ideal romântico, incongruente com o fato de se possuir
um carro grande e poluidor. Trocar de carro implica em ativar todas as muitas
engrenagens da indústria na produção de um novo veículo, com o conseqüente
gasto de energia, consumo de matéria prima, eletricidade, combustível e água em
sua fabricação. Penso que não se deveria trocar de carro antes de os custos de
manutenção ficarem incompatíveis e os defeitos se tornarem freqüentes. Trocas de
carro em intervalos pequenos me parecem mais fruto do desejo de ostentar um
carro novo para os outros verem do que de razões mais práticas e
objetivas, inclusive financeiras. A indústria automobilística sabe manipular
com extrema habilidade esses aspectos inconscientes que movem os seres humanos
enquanto consumidores de seus produtos. Mas seria hipocrisia minha não reconhecer a
minha própria vulnerabilidade a esses apelos, até pelos muitos aspectos não
objetivos que acabei de confessar. Mas gosto de pensar que, pelo menos, tento
estar consciente deles.
Assim, vamos
mantendo nossa longa relação. Imagino-me até bígamo, tendo um carrinho ágil e
econômico para circular na cidade, mas mantendo o Defender para subir a serra e
viajar. Espero que ele não seja ciumento.
A história e a evolução do Defender: http://www.youtube.com/watch?v=8pHDFfyUAII&feature=player_embedded#!
Fazendo graça: Atenção: Não tente fazer isso se seu carro não for um Defender!
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