Laura, uma amiga que mora no Rio, nos liga num domingo e pede a indicação de um bom restaurante de frutos do mar em Niterói. Ela , uma amiga e o marido desta iam atravessar a ponte para um passeio nessa terra, minha e de Araribóia. Pergunto se eles se importariam em ter nossa companhia, seria um bom programa naquela clara manhã de outono. Tudo bem, ótima idéia, e ficamos aguardando que passassem em nossa casa para apresentarmos Jurujuba aos cariocas.
Uma hora mais tarde, chegam Laura, sua amiga Leninha com seu marido, o Fred, e, além dos três, a mãe de Leninha e a filha do casal, de uns dez anos de idade. Apresentações de praxe. Já conhecíamos Leninha da casa da Laura, moça simpática, jeito delicado. Fred pareceu-me econômico nos sorrisos e nas palavras, ar ligeiramente contrariado, ou então era minha imaginação fértil. Primeiras impressões podem ser enganosas, melhor não julgar e dar uma chance ao rapaz. Seguimos de carro pela orla de São Francisco e Charitas, as praias cheias tendo como fundo o Rio visto de longe, paisagem inédita para muitos cariocas. Chegamos ao bairro de pescadores, onde uma providencial vaga na sombra nos aguardava. Depois descobrimos tratar-se da sombra de um pé de jamelão carregado. Se você gosta do carro coberto de manchinhas roxas, tudo bem, nada que uma boa lavada não resolva.
Todos elogiaram a decoração rústica do restaurante, cheia de modelos de traineiras e motivos náuticos, e a vista para a enseada bucólica. Ordenamos uma entrada e as bebidas. Eu e minha mulher pedimos caipirinhas e Fred pediu um chope. Hora de deixar a conversa fluir e conhecermos melhor os amigos de nossa boa amiga. Logo o garçom, um senhor de óculos nos seus sessenta e poucos, traz as bebidas. Aqui, começa a história: Fred diz ao garçom que mudou de idéia, que não vai mais querer o chope, e sim uma cerveja. Uma luz amarela pisca na minha cabeça: aí vem coisa. O garçom, educado, explica o óbvio: poderia trazer a cerveja quando o freguês quisesse, mas o chope, uma vez tirado, não poderia ser devolvido. Fred insiste, deixando o pobre garçom constrangido, e talvez pensando: ”Essa é inédita.” Será que alguém ficou intrigado, ou teria sido só eu? Chegam os tira gosto de frutos do mar para nos distrair enquanto esperamos os pratos principais. Esforço-me em acompanhar a conversa, mas meus sentidos estão definitivamente voltados para o cara. Ele, então, pega um pedaço de limão e o espreme no chope. Lembro-me de que, quando as cervejas mexicanas chegaram ao Brasil, era comum enfiar um pedaço de limão gargalo abaixo naquelas garrafinhas transparentes, mas no chope? Para mim era novidade. Então, depois de um gole, nosso comensal chama o garçom: “Meu amigo, tem umas coisas estranhas no meu chope, acho que o copo estava mal lavado. Dá pra devolver e trazer aquela cerveja e outro copo?”
Não me lembro de mais uma única palavra dita naquela tarde. Minha mulher, que não tinha notado nada, ficou de boca aberta quando, mais tarde, lhe contei o acontecido. Não sei se alguém mais percebeu. Se perceberam, disfarçaram heroicamente, conseguindo impedir que aquela tarde fosse para o ralo. Fiquei com pena da Leninha e da filha dos dois. Não consegui deixar de pensar, de forma preconceituosa, que algumas mulheres, para não ficar a pé, pegam até ônibus errado. Fiquei imaginando o conceito que a sogra teria daquele genro, e na mala sem alça que Laura tinha que aturar de vez em quando para estar com a amiga.
Algumas pessoas me surpreendem, outras me surpreendem muito. Até hoje, quando penso nessa história, fico tentando imaginar as motivações daquele sujeito. Seria algum tipo de jogo que ele gosta de ganhar, algo do tipo “Agora Te Peguei, Seu FDP”, o prazer simples em humilhar alguém que ele nunca tinha visto antes, ou a motivação mesquinha de economizar a merreca do preço do chope, vai saber? Com certeza, uma estratégia bizarra que, ele acredita, vai deixá-lo mais próximo da felicidade. Quem tiver outras hipóteses, por favor, cartas para esta redação.